Esta noite, Peter Evans improvisa sobre o Porto

Um novo ciclo de solos improvisados decorre desde Fevereiro num terceiro andar com vista sobre o centro do Porto. O trompetista norte-americano é o segundo protagonista dos Solilóquios.

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Peter Evans em 2013, no festival Jazz em Agosto MIGUEL MANSO

Peter Evans em diálogo com Peter Evans. É isto que está previsto acontecer no regresso do trompetista norte-americano ao Porto, esta noite, num terceiro andar do número 100 da Rua das Carmelitas que recentemente passou a abrir as suas portas ao público. Na verdade a isso chama-se um monólogo. Mas será um monólogo partilhado com o público desta segunda sessão dos Solilóquios, o ciclo de solos improvisados que o espaço Yoga Sobre o Porto iniciou em Fevereiro com o concerto do saxofonista João Guimarães.

Há uma sala, um músico e uma vista aberta apontada para os Clérigos. Parte-se daqui para o inesperado de um improviso, que na maior parte dos casos terá como balizas os limites (ou a ausência deles) do free jazz. Até Setembro, a agenda dos Solilóquios já está praticamente fechada. Esta noite, às 21h30, há uma das figuras mais fulgurantes do jazz do presente e do futuro, Peter Evans, que conhece bem a cidade, onde em 2014 tocou com a Orquestra Jazz de Matosinhos (OJM) e com o percussionista Gustavo Costa, num programa composto por obras encomendadas aos compositores Carlos Guedes, Filipe Lopes, Igor Silva, Rui Penha, Rui Dias e (de novo) Gustavo Costa. Depois, a 21 de Abril, a visita do irlandês Simon Jermyn (baixo/guitarra), a que deverá seguir-se em Maio a vinda (quase totalmente confirmada) da espanhola Fatima Miranda, artista que deslocará o ciclo do território do free jazz para os campos da mais desenfrada experimentação. Na segunda metade de 2017, ainda estão por confirmar os nomes que ocuparão os meses de Junho e Agosto. A 18 de Julho actua a contrabaixista francesa Joëlle Léandre, também presença regular no nosso país, e em Setembro, no dia 17, é a vez do acordeonista português João Barradas.

Recolhimento

Praticamente vizinho da Livraria Lello, o edifício Quatro Estações, do arquitecto Marques da Silva (1869-1947), não parece à partida o lugar mais convencional para concertos do género. O espaço Yoga Sobre o Porto, onde se realiza o ciclo, é um espaço dedicado a essa disciplina oriental. E ioga combina com flautas de pã e música mais contemplativa, certo? Errado. “É preconceito”, diz Luís Baptista, o mentor do projecto. “É uma associação muito redutora a uma disciplina que muitas vezes é procurada pelos motivos errados. Há a ideia de que tudo é muito calmo no ioga, mas é uma ideia um bocado cor-de-rosa”, completa. 

Acredita até haver pontos de cruzamento entre o ioga e os solos de improvisação: “Há um processo individual, um recolhimento, e algo de singular, já que um improviso não se repete. Este tipo de música exige muito conhecimento e disciplina, só assim é que um solo se aguenta." De qualquer forma, independentemente do sítio onde os concertos se realizam, “é sempre o cartaz que tem de valer por si só” e, por isso, “o sítio onde acontecem acaba por passar para segundo plano”, afirma.

No entanto, neste caso em particular o sítio onde o ciclo acontece não passa para segundo plano. É uma sala com cerca de 130 metros quadrados, com uma vista digna de nota para o coração histórico do Porto, onde cabem umas 100 pessoas, mas que “para melhor conforto de todos” não venderá para estes concertos mais do que 60/70 bilhetes – a lotação máxima estipulada para a actuação de Peter Evans, que até à data da conversa que tivemos com Luís Baptista já tinha cerca de 40 espectadores garantidos.   

Há dois motivos para o responsável do ciclo, que fundou o Yoga Sobre o Porto há sete anos, ter-se aventurado na organização de concertos. Luís quis rentabilizar um espaço que, sobretudo à noite, não tem actividades e também dar continuidade a uma área que lhe diz muito. Também é músico. Toca vários instrumentos e recebeu formação na Escola de Jazz do Porto, onde começou por ter aulas de saxofone com João Guimarães, o músico que inaugurou os Solilóquios, e depois de clarinete. Fez parte de alguns combos com alguns elementos que são actualmente figuras emergentes do cenário jazz portuense, como o contrabaixista Filipe Louro e o pianista João Grilo, mas por agora pôs a carreira de músico em pausa: “Queria tocar tantos instrumentos que acabo por não tocar bem nenhum. Era claramente o elo dissonante destas formações”, brinca. 

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