Ritalina, o doping dos estudantes!

Se é verdade que a Ritalina “tem um padrão de eficácia enorme”, não devemos pactuar com a banalização de uma solução temporária e transitória.

A comercialização do “comprimido da inteligência” ministrado a crianças/jovens a quem, pretensamente, foi diagnosticada “perturbação de hiperatividade e défice de atenção” (PHDA) está em alta, sobretudo desde 2010 e, considerando o ano passado, esse valor mais que duplicou…

E digo “pretensamente” pois a hiperatividade, a instabilidade e a irrequietude relatada pelos pais aos médicos pode não permitir concluir, em todas as situações, que a criança/jovem tenha PHDA; antes é necessário fazer um bom diagnóstico, por uma equipa interdisciplinar de médicos, facto raro no nosso país.

Reconheço ser um problema, o qual devemos enfrentar com todas as cautelas que uma criança ou um jovem merecem.

Em duas Voltas a Portugal em bicicleta (1969 e 1973), Joaquim Agostinho foi desclassificado, pois foi detetado o consumo de Ritalina que, nessa altura, era tolerada em França, mas proibida em Portugal. Ou seja, o doping dos ciclistas nos anos 60/70 é, muitas vezes, prescrito às nossas crianças/jovens de hoje, sem a devida avaliação em termos de diagnóstico.

Julgo um exagero, salvo algumas justificadas exceções, haver crianças do pré escolar a quem é ministrado este fármaco e existirem turmas nas escolas privadas com 80% dos alunos a seguirem o mesmo caminho. Nas escolas públicas, seguramente que o número em causa deverá também ser preocupante. Tudo por causa da melhoria dos resultados escolares? Nas universidades, em épocas de exames, a Ritalina é utilizada para aumentar a concentração no estudo, o máximo de tempo possível, potencializando os níveis de alerta, acima do normal, quantas vezes traduzindo-se em “diretas”.

No entanto, é sobretudo durante o tempo de aulas a altura de maior recurso a esta estratégia, interrompida aos fins de semana e durante as férias… Dir-me-ão que “no meu tempo”, uma palmada bem dada tratava esta maleita potenciada pela falta de imposição de limites e regras. Na maior parte dos casos, os pais ministram este medicamento pois a consequência da atenção nas aulas vai repercutir-se nos resultados escolares. É fundamental pensar no aluno, não descurando o futuro cidadão, com responsabilidades durante a vida, sustentando os alicerces (não só pedagógicos, mas também ao nível da saúde) que a suportará.

Mas as crianças/jovens só revelam características de PHDA nas escolas?! Talvez noutros locais o “tratamento” seja com o recurso às novas tecnologias (telemóveis, tablets…) - é frequente os alunos passarem o fim de semana à volta destes e outros instrumentos, assim como usá-los nos restaurantes e outros locais de socialização, não “havendo menino” - como se dizia antigamente -, enquanto dura. E, para alguns pais, é ótimo que dure muito… Outros argumentam que os filhos “só são assim na escola”…quando oiço isto, acredito na tese da falta de educação - apresentada atrás -, culpando os primeiros e, em muitos casos, percebendo o quão fantásticos são os educandos…

Contudo, já existem pais e encarregados de educação que não ministram o medicamento, apesar de prescrito por médicos, pois discordam deste ato, supondo consequências adversas para o futuro dos seus educandos, levando os especialistas a falar em epidemia de saúde pública. Para muitos educadores o primeiro patamar deve ser o recurso a intervenção psicológica, corrigindo boa parte destes problemas. Dir-se-á tratar-se de uma estratégia mais prolongada, menos imediatista, mas com resultados já comprovados. Seja como for, cada caso é um caso.

Se é verdade que a Ritalina “tem um padrão de eficácia enorme” (com mais de 50 anos de uso, não existe estudo científico que aponte para efeitos negativos), não devemos pactuar com a banalização de uma solução temporária e transitória, pois os alunos de hoje são os cidadãos com plenos direitos e deveres de amanhã, os quais devem ser tratados com todo o carinho, sem experimentalismos e com a cientificidade exigida.

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