Donald Trump e o laicismo radical

Um burquíni não é um atentado à segurança! Isso é demagogia pura. Reduzir a polémica do véu e do burquíni aos fundamentos religiosos europeus e ocidentais é um erro grave.


“Uma rapariga de biquíni é como ter uma pistola carregada em cima da mesa de café — não há nada de errado, mas é difícil parar de pensar nisso.”  Garrison Keillor
 
As recentes decisões do novo Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, sobre imigração e outras matérias associadas a este fenómeno metajurídico apesar de não serem uma surpresa, são decisões que bem podem ser consideradas como ilustrativas do que é, do que significa e pretende o laicismo radical. Política, jurídica, económica e sociologicamente estas decisões vão provocar ondas de choque mais profundas do que se imagina, no médio e longo prazo. São decisões  que vão ter impactos negativos sobretudo para a ordem global e muito para o direito internacional. E veremos o que ainda virá do novel Presidente americano em matéria de proibição ou não dos véus islâmicos, burquíni e afins.

Porque a ONU e a Amnistia Internacional assumem que a proibição do burquíni e afins é discriminatória. Concordo plenamente. Mesmo que provavelmente esteja em minoria. Aliás, vou mais longe. Deixem o burquíni, os véus integrais e seus derivados em paz. Nos últimos dias, semanas e meses, na nossa Europa laica e cada vez mais radical e tolerante só formalmente no que diz respeito à  religião, têm vindo a aumentar o número de países, a proibirem a burqa e afins — países como a Holanda, a Alemanha, a Bélgica, a Bulgária e outros, quando, por exemplo, em países como a Holanda tal proibição só afectará cerca de 150 mulheres. O mais ridículo é que na Holanda em simultâneo foram proibidos não só as burqas, mas também capacetes e passa-montanhas nos transportes e edifícios públicos. Isto acontece, quando na Alemanha o Supremo Tribunal de Justiça impôs aulas de natação a uma rapariga muçulmana.

Ser mulher muçulmana, para os padrões europeus e ocidentais, nunca foi fácil no mundo. Antes pelo contrário. E é curioso que na Europa, ao contrário do que seria expectável, também não. Essa condição no território da liberdade também se perdeu. Há quem sustente que não se podem aprovar leis sobre a igualdade de género e depois admitir que a mulher, por ser muçulmana, use burqa e véu. O burquíni e a ordem pública é um excelente tema para pôr à prova o laicismo radical em conjunto com o fundamentalismo islâmico — até porque a  procissão ainda vai no adro. Com manifestações de arrogância e de deslumbrada insolência. Despe-te para seres moderna(o) e progressista! É um erro clássico aprovar a proibição do véu, da burqa e do burquíni em nome da detestável não ideologia da modernidade progressista! A proibição dos burquínis é chão que deu uvas no proibicionismo radical e falso em nome de um igualitarismo serôdio. Enquanto esta polémica persiste na Europa — sobretudo em França e na Alemanha —, na Austrália o burquíni é um símbolo de inclusão. Isso mesmo, de inclusão! Aliás, são vários os tipos de véus islâmicos: a burqa, o niqab (no Paquistão, Arábia Saudita), o chador (sobretudo no Irão), a Al-amina, o hijab (é o tipo mais ocidentalizado) e o burquíni (em vários países já vendeu mais de 700 mil!).

A diabolização das burqas e dos burquínis a pretexto da liberdade e da igualdade de género é um perigo. Até porque aguardo [saber] a que chamam poderes pátria cosmopolita, sobretudo como instrumento de estímulo à prática do multiculturalismo em comparação com radicalismos laicos e religiosos. É que tal é um caminho muito perigoso. O laicismo radical é uma doença como é o fundamentalismo islâmico. Talvez nalguns aspectos ainda pior. A relação do Estado com o vestuário e a nudez e a estética deve merecer atenção. Muita atenção. Deve ou não o Estado intrometer-se na forma como as pessoas se vestem? E com a apresentação estética no dia-a-dia? Será que o Estado, os poderes públicos devem ter que ver com a maneira como as pessoas se vestem e saem de casa? Uma ironia de vida. Parece que a boa moral obriga a andar-se despido(a), sobretudo as mulheres! Quem diria! Após décadas a lutar pela liberdade da mulher! A padronização comportamental por via do burquíni é uma falácia para todos. Sobretudo de menorização das mulheres —como se não soubessem decidir o que vestir e como vestir. E não nos venham com as histórias de que são os maridos que lhes impõem essa indumentária. É um erro coagi-las em não se vestirem, como é um erro impor-lhes como se vestem. Aliás, é pior do que aquilo que alguns dos seus maridos lhes impõem.

O fundamentalismo islâmico é diferente do fundamentalismo religioso e sobretudo do fundamentalismo laico. Só falta países como a França impor a reciprocidade em função do fundamentalismo religioso e do fundamentalismo laico. A história da liberdade e da emancipação das mulheres está cheia de episódios e de exemplos de perseguição e imposição às mulheres em relação a várias coisas. Sobretudo como se vestem! É curioso agora a ideologia de se impor o que se pode fazer para se poder viver em determinados territórios da democracia dos direitos, liberdades e garantias.

Tanto é errado o laicismo radical como o fundamentalismo islâmico. A ideia na prática de que o inferno são os outros é um perigo. A indumentária republicana imposta é uma provocação! É uma forma de proibir famílias e pessoas de irem, por exemplo, à praia. Vergonhosa essa república, jacobina, laica e radical, em que sobretudo os esquerdistas radicais, intolerantes, laicos, usando o corpo de Marianne, deixam que lhes caiam as máscaras da tolerância e do respeito pelo direito à diferença. Nós, europeus e ocidentais, queremos que os “olhos” aceitem tudo o que é diferente, mas desde que venha de nós. Mas “nós” não aceitamos o que é diferente e vem deles. Daí que o secularismo radical, por exemplo, francês, esteja a dar sinal de vida negativo. Tudo isto criou o medo no corpo das mulheres e alimentou a percepção de o véu ser uma espécie de inimigo legal e o burquíni e a burqa sinal de tortura! Qualquer cidadão, homem ou mulher, tem direito de ir para a praia como lhe aprouver! Até de chapéu-de-chuva e boné! Um burquíni não é um atentado à segurança! Isso é demagogia pura. Reduzir a polémica do véu e do burquíni aos fundamentos religiosos europeus e ocidentais é um erro grave. É só olhar e conhecer o mundo real. No meio de tudo isto, desta polémica, de certa forma os jihadistas podem dizer que as mulheres no mundo cristão não são respeitadas! Aliás, o francês Rachid Nekkaz paga desde 2010 as multas dos burquínis. Já gastou 250 mil euros em multas. Entre a França e a Bélgica quase 1500 multas. Depois de todas estas decisões, da nossa Europa, grande timoneira da ideologia do politicamente correto, não nos queixemos, por exemplo, de decisões como a da Índia de impor a observação das tradições locais e de dizer às mulheres ocidentais para naquele país serem recatadas nos atos e nas vestimentas, evitando saídas à noite e indumentária à base das saias. Ou então, por ironia (será mesmo?), ter em conta o que se vai passando na China com o facequíni.

 

Deputado e presidente da Comissão parlamentar de Trabalho e Segurança Social

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