O perigo do populismo no combate ao jihadismo

Justificada numa acção de combate ao terrorismo, a ordem executiva anti-imigração de Trump poderá não ter o efeito desejado. É muito provável até que potencie a violência jihadista e aumente a vulnerabilidade dos Estados Unidos da América. Na precipitação de cumprir a campanha eleitoral, o Presidente norte-americano pareceu incidir mais na exclusão racial e religiosa, que na segurança interna. Trump assumiu uma postura populista, que pode ser óbice à sensatez e pragmatismo requeridos no combate ao terrorismo. Esta medida não atinge o centro de gravidade do jihadismo, potencia-o. Nestes termos, a ordem executiva anti-imigração pode ser caracterizada em três adjectivos: inútil, contraproducente e, por isso, perversa.

1. Inútil

A ordem executiva bloqueia a entrada para cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos por 90 dias – Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen. Abrange cidadãos que já residam legalmente em solo norte-americano. Suspende também a entrada de todos os refugiados nos EUA por 120 dias (e indefinidamente, no caso de refugiados sírios). Esta medida é inútil e incongruente, porque se virmos a história recente apercebemo-nos que desde 2001 nenhum atentado terrorista nos EUA foi imputado a estes países. Mas o mesmo não acontece com a Arábia Saudita, o Egipto ou o Paquistão – três países muçulmanos que não constam na lista e que abrigaram jihadistas que atacaram os EUA. Se entrarmos na lógica de Trump, faltam ainda países como a Nigéria, Argélia, Tunísia, Qatar… países de onde saíram terroristas considerados ameaças à segurança dos EUA.

Mais ainda. Fruto do constrangimento operacional a que o Daesh está a ser acometido, os ataques com “lobos solitários” e jihadistas de natureza autóctone (radicalizados internamente) têm sido mais frequentes. Esta dimensão operacional funciona como uma espécie de reduto estratégico funcional. E a prova é que os últimos grandes atentados de inspiração jihadista nos EUA foram perpetrados por cidadãos nascidos nos EUA, como o caso de San Bernardino (2015) e Orlando (2016). A inutilidade da ordem executiva torna-se ainda mais evidente quando vemos que a ameaça terrorista é mais interna que externa.

2. Contraproducente

Um dos efeitos desta medida poderá ser a progressiva alienação de Estados de maioria muçulmana que são parceiros no combate ao terrorismo. A colaboração com os Estados da nacionalidade dos terroristas é fundamental. Se não for em jeito de guerra por procuração (como no caso do Irão), dita o bom senso que a externalidade da ameaça terrorista obriga à cooperação com a origem. Os governos de George W. Bush e Obama fizeram-no. Caso contrário, é complicado perceber o alcance das redes e das estruturas, ou quais são as intenções e os planos. Estes países são a linha da frente.

Ora, a ordem executiva anti-imigração trará retaliações. Muitos países muçulmanos vão ser pressionados internamente para rejeitar pedidos de Washington. Veja-se o caso da Jordânia ou da Turquia – a braços com fluxos migratórios provindos da guerra na Síria – que justificam a cooperação, pelos EUA estarem a receberem refugiados sírios. Ancara e Amã são cruciais no combate ao terrorismo jihadista, assim como outros Estados muçulmanos do Médio Oriente.

3. Perversa

O Daesh é uma organização política híbrida que se reifica na violência. Responde a uma estratégia subversiva global de longo prazo, da qual a acção terrorista é apenas uma faceta operacional. Parte de uma componente ideológica bárbara e revolucionária, que combina mobilização de massas com tácticas de guerra assimétrica. Para eles o Islão encontra-se sob ameaça. Esta é a base propagandística para a adesão. Nada disto é verdade, sabemo-lo: o Islão não está sob ameaça, nem é o mesmo que jihadismo. Mas, ao contrário dos seus predecessores, Trump parece não estar consciente deste facto. E isso é muito perigoso. Ver este conflito como sendo eminentemente religioso é legitimar um jihadista perante um muçulmano. É fomentar a propaganda do Daesh, Al-Qaeda e quejandos.

Esta medida soube-lhes a vitória, porque a exclusão racial e religiosa pode criar ressentimentos onde o vírus da narrativa jihadista pode ser inoculado, dando margem a mais recrutamento. É na inevitável polarização das sociedades que nasce a radicalização, sabemos. Mas a violência fruto da radicalização aumenta quando a polarização é institucionalizada. Ou seja, através do medo, gerado pela violência indiscriminada, alteram-se as dinâmicas políticas. Assim está a acontecer no Ocidente. Este é um dos objectivos estratégicos de longo prazo do jihadismo. Ainda estamos a tempo de o reverter.

Professor e investigador universitário – UAL/Observare

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