As montanhas têm olhos

Curiosíssima combinação de western clássico e filme de terror gore em modo pós-Tarantino: A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas.

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A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas: revisionismo pós-Tarantino
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A primeira coisa em que qualquer pessoa repara na primeira realização do americano S. Craig Zahler é o título português, reminiscente dos bons velhos anos do Maneta de Ferro contra a Guilhotina Voadora, mas na verdade bastante descritivo do que se passa neste western-survival, combinação algo pagã de Tarantino, Hawks, Carpenter e Craven.

Há uma desaparecida, levada de uma cidadezinha fronteiriça americana por volta de 1890; há um aleijado, que é o marido com um ferimento na perna que arrisca a vida para ir atrás dela; os trogloditas são a tribo escondida nas montanhas que levou a desaparecida e atrás da qual o aleijado vai. A pose do filme de Zahler é um pouco esta: a de um mash-up de géneros que desarma o espectador recusando-se a seguir o caminho esperado, mas que, apesar disso, nunca trai a lógica subjacente dos géneros pelos quais se regra.

O western está lá todo, com a posse liderada pelo xerife (Kurt Russell) que vai em busca da desaparecida e a camaradagem masculina lacónica, sublinhada pelos diálogos ornamentados (e bem escritos!) de Zahler, a que o elenco de luxo reunido chama um figo.

A passagem para o survival, com a dimensão gore e os toques quase sobrenaturais (sugeridos num “prólogo” onde pontifica Sid Haig, figura de culto do género), é feita quase sem costuras; o modo como a própria viagem em direcção ao Vale dos Esfomeados atravessa imperceptivelmente uma barreira de medo e tensão é excelentemente gerido, ajudado pela decisão de Zahler de manter tudo sem música (e esta, quando surge, está muito mais próxima do melancólico Nick Cave/Warren Ellis do que do tradicional heróico).

O reverso desta medalha é que, não poucas vezes, Zahler parece estar mais a ensaiar uma pose do que propriamente a contar uma história; os tais diálogos, que instalam o filme numa modernidade revisionista pós-Tarantino, e o que eles dizem sobre as personagens parecem por vezes ser a única razão de existir de A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas, como se o universo onde tudo se passa fosse mais interessante do que a história que se quer contar. Mas não se pode negar que é um filme que não está nada interessado em encaixar em gavetas, e isso chega e sobra para o recomendar às almas mais corajosas.

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