Máscaras centenárias de cadáveres expostas ao público. A dor e o medo vêem-se no rosto dos mortos?

Exposição no Porto reúne parte da colecção de máscaras que serviu de base para estudo que queria traçar relação entre expressão facial post mortem e emoções sentidas antes da morte. Na Primavera, a exposição segue para Lisboa.

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No início do século XX, o primeiro director do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, João Azevedo Neves, lançou uma hipótese. Seria possível traçar uma relação entre a expressão da face de um cadáver e a causa da morte de um indivíduo? Pensava-se que resposta que procurava seria um passo importante para, em investigação criminal, se poder intuir, numa primeira instância, se a causa do óbito de alguém que tenha passado por uma morte violenta estaria associada a um suicídio ou a outra causa, como por exemplo homicídio ou acidente. A partir da observação de expressões de máscaras de gesso, recolhidas entre 1913 e 1945 directamente de moldes da face de vítimas de enforcamento, acabou por concluir que não existia uma relação directa. Vinte dessas máscaras, de uma colecção de quase 300, estão agora expostas na Reitoria da Universidade do Porto, na exposição Facies Mortis: Histórias de Vida e Rostos da Morte, até 27 de Janeiro, para celebrar os 15 anos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), resultante da unificação dos institutos de Coimbra, Lisboa e Porto.

Sorridente, inexpressivo/tranquilo, tristeza, dor, medo/terror. Estes são os cinco graus da medida criada por Azevedo Neves: o “expressómetro”, como lhe chama um dos curadores da exposição, Carlos Branco, também responsável pelo restauro das máscaras, que divide a curadoria com o vice-presidente do INMLCF, João Pinheiro. Em finais do século XIX e início do século XX, alguns membros da comunidade científica europeia acreditavam que a face dos cadáveres de indivíduos que tivessem passado por uma morte violenta teriam uma expressão de dor, terror ou de medo, enquanto os que tivessem morrido de causas naturais apresentariam uma expressão pacífica, inexpressiva ou até sorridente, explica Carlos Branco.

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Nos moldes há rostos de pessoas que se enforcaram Paulo Pimenta

Azevedo Neves quis provar essa tese. Apresentou-a em 1933, na Bélgica, mas a conclusão não foi a que esperava. Por ter constatado existirem diferenças de expressão na face de vítimas de mortes violentas, terá levantado a hipótese de haver uma relação entre as emoções dos últimos momentos de vida de um indivíduo e a expressão final da face do cadáver. Detectou cinco tipos de expressões, que são as que serviram de medida para o “expressómetro”. A existir uma relação entre as emoções associadas ao medo ou à dor e os casos de mortes violentas ou entre as mortes voluntárias e expressões de calma ou sorridentes, isso seria um avanço “muito importante” para a época, no sentido em que se poderia, logo à partida, atribuir uma causa preliminar e eliminar outras hipóteses, explica Carlos Branco. Havia de facto, nalguns casos, coincidência entre a expressão e a causa de morte, no entanto, na maior parte das faces a expressão predominante é a de inexpressividade ou tranquilidade.

A questão das expressões não é “um assunto pacífico”, diz. E considera não ser pacífico por uma questão de percepção: “O que é um sorriso para mim pode representar outra emoção para outra pessoa.” A tese não foi comprovada. Não obstante terem tido a mesma morte violenta, Azevedo Neves chegou à conclusão que, apesar de existirem expressões diferentes, a maior parte apresentava uma face inexpressiva. Se essa relação pudesse ser estabelecida assim tão directamente seria “uma verdade muito importante para a medicina legal porque permitia, olhando meramente para o cadáver, intuir sobre a causa da morte”. Contudo, a eliminação desta hipótese é por si só considerada igualmente um avanço científico, afirma.

O primeiro núcleo da exposição é precisamente composto por máscaras de gesso que correspondem às expressões faciais do “expressómetro” criado por Azevedo Neves. São cinco rostos em gesso, moldados a partir de cadáveres reais, que, como em todos os outros exemplos da exposição, foram vítimas de estrangulamento. Na maior parte dos casos, à excepção de um que foi assassinado, enforcaram-se.

De acordo com Carlos Branco, existem outras colecções congéneres noutros países da Europa. Na Bélgica há uma que conta com 30 máscaras das últimas pessoas que foram decapitadas no país e, recentemente, no Reino Unido foi descoberto numa prisão um conjunto de máscaras do século XVIII. Contudo, afirma que a colecção do INMLCF é a maior, a mais bem documentada, a que está em melhor estado de conservação e a única dedicada a enforcados. Além das máscaras de gesso, existe “uma grande diversidade documental” associada a cada cadáver, o que diz conferir à colecção um maior interesse.

O segundo núcleo da exposição é exemplo disso mesmo. Em três vitrinas está uma amostra da documentação relacionada com o processo de alguns dos casos. Documentação que era trocada com instituições com quem o instituto trabalhava, como é o caso da polícia ou de tribunais. Há outros elementos que contribuíam para a documentação científica do processo de investigação das ocorrências: cordas de enforcamento, correias, pedaços de tecido e alguns restos biológicos, como um pedaço de pele de um pescoço onde é possível ver a marca de uma corda, para que possa ser exemplificado o impacto que um enforcamento pode ter sobre a anatomia. Há ainda fotografias, esquemas e desenhos científicos, na altura usados para registar o cenário da investigação. De resto, Carlos Branco sublinha que o INMLCF conta com a maior colecção portuguesa de desenho científico.

Três histórias reais

Embora a exposição seja composta por máscaras de gesso, todas elas são moldes directos de pessoas que existiram na realidade. O terceiro momento da exposição assinala isso mesmo. “Todas as histórias têm em comum um fim trágico”, assinala Carlos Branco. Através de fotografias de óbitos é contada a história da morte de três pessoas. Uma mulher, “meretriz matriculada”, que foi estrangulada por um cliente num bairro de Lisboa; um bebé, envolvido num pano de linho, também estrangulado; e um homem de 48 anos, acusado de um crime que diz não ter cometido e em defesa de sua honra cometeu suicídio na cadeia, onde deixou um bilhete à família que dava conta da sua inocência.

Carlos Branco refere ainda alguns casos que, apesar da sua violência, não deixam de ser “trágico-cómicos” devido aos contornos caricatos dos mesmos: “Há uma senhora que se suicidou no seu prédio após período de doença e deixou uma nota de suicídio pendurada no pescoço e no elevador do seu prédio a pedir que cuidassem do gato”, conta.

Na sala principal, estão 14 máscaras penduradas, também tiradas dos moldes de pessoas reais. Carlos Branco explica o processo de recolha das máscaras ou “cabeças de gesso”. Após a morte, era aplicada uma gordura na cabeça do cadáver para o gesso não se colar. Logo a seguir era aplicado o gesso que resultaria num molde. Feito o molde, era enchido, também com gesso, e o resultado final é a máscara ou as máscaras que estão na sala. As máscaras estão penduradas para retratarem o acto de enforcamento, como explica. Nalgumas delas e ao lado de outras estão os artefactos usados no processo.

No último sector da exposição, que está no Porto até 27 de Janeiro e vai para Lisboa na Primavera, está um vídeo realizado por Pedro Mesquita, que resume a colecção de cerca de 300 peças do INMLCF.

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