Olhos na penitenciária Anísio jobim, antes que seja tarde

O Brasil não é tão longe assim. Olhemos para as nossas cadeias e façamos o que tem de ser feito e que é muito, a começar pela sobrelotação.

O Estado moderno tem o poder dever de defender a comunidade e reprimir a criminalidade. Tem o poder para usar a força e para impor a ordem. Se assim não fosse os mais fortes dominariam os mais fracos a seu bel-prazer.

Ao Estado compete cumprir as decisões decretadas pelos tribunais e prender colocando os cidadãos condenados em penas de prisão ao seu exclusivo cuidado nas cadeias que tem à disposição.

Tal significa que é o Estado que assume a total responsabilidade de zelar pela segurança e saúde e pelo sustento dos reclusos.

Ao Estado também cabe tudo fazer, de acordo com as possibilidades, para reintegrar os condenados. Não pode desistir de pugnar pela reinserção social dos delinquentes. Se consegue ou não, já não depende de si, mas enquanto garante da paz e da reintegração sociais tem a obrigação de criar as condições para que essa tarefa resulte.

É do conhecimento geral que os narcotraficantes prolongam a atividade criminosa para dentro dos estabelecimentos prisionais, praticando, quando podem, a violência mais brutal para derrotar os concorrentes.

Um estabelecimento prisional com lotação para 454 e que alberga 1224 presos não oferece a segurança mínima para os reclusos e o Estado omite o seu dever de cuidar dos presos que se encontram à sua guarda.

Nestas condições em que os presos são tratados a um nível infra-humano era de prever que algo grave pudesse suceder. É do domínio mais elementar. Em Manaus noutro centro de detenção com vagas para 568 tinha 1568 presos o que dá para imaginar o caldeirão explosivo em gestação.

Mas a dinamite social não se fica por aqui. No Brasil esta, como outras cadeias, estão entregues à gestão da empresa privada Umanizzare, Gestão Prisional Privada, que tem como objetivo último o lucro, independentemente dos protocolos que possa celebrar com diversas instituições sociais.

A sobrelotação das prisões, a grave deficiência de normas de segurança, o calibre criminal de certos reclusos aliado a uma gestão de cadeias que faz dessa atividade o lucro estão na base do massacre do estabelecimento prisional Anísio Jobim. Pode fazer-se esta simples pergunta: as prisões são para prender os delinquentes ou para dar lucro?

Na verdade, no próprio dia do motim 87 presos fugidos do Instituto Penal António Trindade ,também em Manaus, conseguiram fazer chegar armas aos presos da Família do Norte para poderem massacrar os presos do PCC. As notícias dão conta do modo.

Salta à vista desarmada o conjunto de fatores que somados levaram ao massacre que nunca devia ter sucedido.

A empresa Umanizzare encarregada da gestão de vários estabelecimentos prisionais tem como fim último buscar o lucro, o que não tem mal. O problema é que, numa área tão sensível em termos de direitos humanos, se deixe a sua defesa em mãos de quem não nasceu para assegurar o exercício do respeito mínimo desses direitos, no caso a segurança, o sustento e a saúde.

O Estado, devido aos compromissos sociais e políticos dos governantes, tem para com este problema outra abordagem muito mais responsabilizante que o de uma empresa privada que apenas responde diante dos seus acionistas.

Bem sabemos que em muitas circunstâncias o Estado não é exemplo para ninguém, antes pelo contrário. Mas quando se trata de um problema tão sensível como o de cidadãos que o Estado condena e se assume como responsável pelo seu sustento, saúde e segurança é exigível que cumpra os seus deveres e que os responsáveis por essa área sejam confrontados com estes brutais acontecimentos.

É evidente que a sobrelotação daqueles estabelecimentos prisionais é da inteira responsabilidade do Estado brasileiro, isto é, das autoridades federais aos diversos níveis. Ninguém deve ignorar que a sobrelotação fragiliza a situação dos reclusos e vulnerabiliza a segurança designadamente com os presos que têm atrás de si um historial de violência assinalável.

No Brasil sendo os motins nas cadeias recorrentes mais obrigações têm as autoridades para prestarem uma maior atenção às relações entre os presos, sobretudo porque PCC e F. N. já tinham empunhado as armas para ajustarem contas.

Um acompanhamento por parte de técnicos tanto a nível de segurança como de apoio social, competentes e comprometidos  nas várias vertentes da situação dos reclusos é condição indispensável para tomar o pulso dentro das cadeias e preventivamente impedir mais motins com todo o seu cortejo de horrores, às vezes praticados por agentes da polícia como aconteceu em Carandiru em 1992.

A privatização vai exatamente em sentido inverso e desresponsabiliza o Estado pelo dever de acompanhar situações que se sabem serem explosivas, até pelo rol de motins acontecidos.

Os responsáveis políticos têm a obrigação de olhar para o que sucedeu no Brasil e retirar algumas lições nomeadamente acerca da sobrelotação das cadeias e as consequências em domínios como a saúde, reinserção e segurança. O Estado não se pode demitir de cumprir com os seus deveres de garante da vida dos reclusos e da sua reinserção. Uma sociedade que desiste de recuperar os que cometem crimes para os inserir numa vida social está condenada ao falhanço social. Os indivíduos podem teimar na atividade criminal; o Estado, porém, tem de teimar na reinserção, nunca desistindo.

O Brasil não é tão longe assim. Olhemos para as nossas cadeias e façamos o que tem de ser feito e que é muito, a começar pela sobrelotação.

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