Duas palavras simples que nunca o são: verdade e justiça

Guterres subiu ao topo do mundo e falou da verdade, como se fosse simples falar verdade (e nós sabemos que lá em cima não é). Querem ver porquê?

Foi assim, então: António Guterres falou da verdade, do mundo como ele é, de Trump como achamos que vai ser. Isabel Moreira fez o mesmo aqui em São Bento. E depois há outras verdades feitas, que se calhar não são bem assim. Vamos lá ver, ponto a ponto, as notas da semana.

António Guterres
Secretário-geral da ONU
16

Que bom que é ver um português no palco mais prestigiado da ONU. Que bom que é vê-lo assumir, desde o seu dia zero, a ambição de rever o funcionamento da organização que é, simultaneamente, a mais importante e a mais subvalorizada do mundo para a resolução das grandes crises. Que bom que é ver Guterres assumir, sem dúvidas, discordâncias face à administração Trump, a falar dos conflitos mundiais com realismo. Bem verdade: é mais fácil dizer do que fazer. Mas no estado em que a ONU está, é bem bom ver o novo líder a assumir o leme. Sem isso, não haveria nada.

Isabel Moreira
Deputada do PS
15

A propósito de falar sem medo e de dizer verdades inconvenientes: ouviu ou leu o que disse esta semana, na Assembleia da República, a deputada socialista Isabel Moreira? Ela subiu ao púlpito e disse de Angola, olhando para Luaty Beirão, o que Maomé não disse do toucinho. Falou de uma ditadura brutal, de um total desrespeito pela liberdade. O caso Luaty tem já mais de um ano, mas foi preciso passar todo este tempo para que ouvíssemos alguém num órgão institucional português dizer tudo isto com as letras certas. Como é que alguém dizia (sobre outra coisa qualquer)? É isso: D-i-t-a-d-u-r-a.

Caldeira Cabral
Ministro da Economia
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Deve ser o ministro mais sozinho deste Governo (até António Costa já disse sobre ele que devia ser mais... mediático). Chama-se Caldeira Cabral, tem a tutela da Economia e nem por isso muitos poderes — nunca entendi como é que o seu ministério não tem o AICEP nem os transportes, alguém me explicará porquê um destes dias. Leva pancada por tudo o que tem culpa e pelo que não tem, porque não tem poderes, dinheiro, nem varinha de condão. Pelo que talvez seja justo dar-lhe este mérito também: o Banco de Portugal veio pela primeira perspectivar um “crescimento saudável”, estimando mais exportações e (anote) investimento. Força, Manuel.

Passos Coelho
Líder do PSD
12

Andou anos a ouvir que estava a destruir tudo quanto era Estado social: era a saúde, era a educação, era a pobreza que estava a aumentar. Porém, quando chegam os dados finais, não era bem assim. O SNS sobreviveu, até mais produtivo; a educação melhorou, pelo menos nos resultados dos alunos; o risco de pobreza lá se inverteu, quando a troika saiu (assim como as desigualdades). Bem sei: nestes meses em que está na mó de baixo, é fácil dizer mal de Passos (e ele dá razões para isso). Mas às vezes é bom olhar para trás e reconhecer quando o país mediático muitas vezes falhou o alvo.

Nuno Amado
Presidente do BCP
9

Mal o presidente do BCP resolveu o problema accionista que lhe caiu nos braços, logo percebeu que havia um outro problema, com o qual não estava a contar: esta semana, os espanhóis do Sabadell anunciaram a venda da sua posição no banco, mais de 4%, que faziam dele um accionista de referência. Não é só o efeito imediato de desvalorização que criou no banco, nem apenas a história que os espanhóis detinham no banco. É a percepção de que, como nada disto se decide de um dia para o outro, o Sabadell resolveu fazer negócio com a saída. E, já agora, uma pergunta: quem é que tinha falado de espanholização da banca nacional?

Carlos Martins 
Secretário de Estado do Ambiente
8

Não tive nunca o prazer de o conhecer, mas já devo ao secretário de Estado do Ambiente a melhor gargalhada da semana. Pela primeira vez neste ano de governação, Carlos Martins teve honras de manchete num jornal nacional, dizendo que as câmaras “estão a cobrar tarifas de água abaixo do necessário”, recomendando-lhes que estudassem um aumento dos preços. Mas bastaram umas horas para que viesse desdizer-se: “Não temos a expectativa de que seja necessário aumentar os preços. Agora, temos consciência de que é preciso aumentar a eficiência.” É verdade que Carlos Martins não é o responsável pelo desfazer da reforma anterior, que levou a que tudo voltasse à casa de partida no sector das águas, mas não é menos certo que é responsável pelas suas próprias palavras. Apetece-me dizer que pagava para ver como o Governo descalça esta bota, mas como de certeza vou pagar, o melhor é sorrir entretanto.

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