Thomas Kharel veio de Amesterdão para Portugal em 1990. Entre cenografia, musicologia e carpintaria abriu o atelier no Largo das Olarias, em Lisboa. Pedaços de madeira abandonados transformam-se, todos os dias, em guitarras, mobília e peças de decoração. Umas ruas ao lado, na Travessa do Benformoso, está o Ghoroa, um restaurante de origem bangladeshiana que significa, literalmente, casa. Depois de uma passagem por França, Mohin apaixonou-se por Lisboa e decidiu abrir um negócio familiar na Mouraria. Mas ser imigrante num país desconhecido, ao mesmo tempo que se cria um espaço aberto ao público, não é tarefa simples. “Somos vistos muito como conselheiros e, sendo um empreendedor imigrante que não domina o inglês, acabamos por ter um papel determinante de mediador ao nível da comunicação”, resume ao P3 Filipa Bolotinha, vice-presidente da Associação Renovar a Mouraria e coordenadora do portal Retalhos da Mouraria.
Depois de vários encontros e muitas conversas com os lojistas, 18 negócios de bairro passaram a integrar um projecto, financiado pelo programa BIP/ZIP da Câmara Municipal de Lisboa, que actua junto do comércio local e se centra nas competências de comunicação dos espaços. O principal objectivo é colocar online a grande maioria dos cerca de 100 pequenos negócios do bairro da Mouraria até ao final de 2018. “Identificámos como principal carência em quase todos os estabelecimentos a ausência de presença online por se tratarem de negócios familiares e de pequenas dimensões e, por isso, criámos um portal que, por um lado, dá uma presença na Internet a todos os lojistas e, por outro lado, funciona como uma montra de todo o comércio da Mouraria que vai atrair novo público para o bairro”, explica a dirigente associativa.
A integração dos comerciantes no portal traz também mais-valias para os seus negócios. “A adesão dos próprios lojistas acaba por ser um processo de alguma capacitação porque a entrada no portal é sempre acompanhada por uma sessão fotográfica na loja e é uma forma ligeira de introduzir algumas melhorias que são importantes quando estamos a lidar com novos públicos e, se calhar, os lojistas não têm esta percepção”, diz Filipa Bolotinha. “Tentamos contribuir para a melhoria dos seus negócios”, acrescenta.
O portal Retalhos da Mouraria — nome que alia o imaginário histórico do comércio no bairro aos retalhos de diferentes origens que constituem a Mouraria — surgiu para responder a uma necessidade identificada pela Associação Renovar a Mouraria. “A Mouraria é um bairro que sofreu um processo de remodelação muito intenso nos últimos cinco anos e onde se começou a notar o surgimento de novas lojas mais cosmopolitas e viradas para novos públicos”, explica a coordenadora do projecto. Por sua vez, “os comércios tradicional e imigrante começaram a ficar um pouco mais frágeis”, o que levou a associação a aplicar as competências de comunicação nos espaços comerciais do bairro como forma de “ajudar na promoção dos seus negócios”.
A plataforma, em funcionamento desde 29 de Outubro, pretende, antes de mais, representar os três grupos que diferenciam o comércio do bairro – o comércio tradicional constituído por lojas antigas de origem portuguesa; o comércio imigrante criado por empreendedores estrangeiros e as lojas cosmopolitas ligadas às novas tendências –, dando-lhes visibilidade junto da população de Lisboa, que ainda hoje desconhece a maioria destes negócios. “O reforço da economia local é fundamental para preservar o comércio que existe e melhorar as condições de vida do bairro, ainda muito fechado sobre si próprio e com uma população que tem pouca mobilidade profissional”, defende Filipa Bolotinha.
Desde as artes e ofícios à restauração e moda encontram-se lojas muito distintas entre os estabelecimentos comerciais que participaram na primeira fase do projecto. O desafio agora é conseguir tornar a plataforma num modelo sustentável. “Queremos fazer um processo faseado e manter sempre a diversidade da oferta até conseguirmos ter o processo de mapeamento completo e a maioria das lojas da Mouraria representadas neste portal”.