Adiada decisão sobre recurso de Asia Bibi, condenada por blasfémia

Um dos juízes afastou-se do processo por conflito de interesses. Os magistrados temem pela sua própria vida, diz uma activista.

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As filhas de Bibi com uma foto da mãe, junto à casa da família Adrees Latif/Reuters

A decisão era esperada há muito e agora não se sabe quando vai acontecer. Asia Bibi, condenada à morte por blasfémia, viu um dos juízes escusar-se do processo e o seu pedido de recurso adiado sem data pelo Tribunal Supremo do Paquistão.

Fora do tribunal, em Islamabad, 3000 membros das forças de segurança tinham sido mobilizados para a decisão. Alguns grupos descrevem este caso como luta pela “alma” do Paquistão e a Mesquita Vermelha, bastião islamista da capital, avisara que se Bibi fosse libertada organizaria manifestações em todo o país.

A cristã Bibi é talvez a mais conhecida das vítimas da vergonhosa lei da blasfémia paquistanesa (uma herança da colonização britânica, introduzida inicialmente para “proteger os sentimentos religiosos”). Foi acusada em 2009, depois de uma discussão com duas paquistanesas muçulmanas na sua aldeia do Punjab que começou por causa de um copo de água.

O advogado de Bibi, condenada em 2010 por insulto a Maomé, diz que o processo contra ela é fraco e não cumpre os critérios de prova exigidos pela justiça islâmica, em grande parte por existirem testemunhos contraditórios. Em tribunal esteve o homem que fez a queixa inicial na polícia, Qari Muhhamad Saalim, um dignitário local.

O chefe da equipa de advogados de acusação, Ghulam Mustafa Chaudry, líder de um grupo chamado Movimento para a Finalidade da Irmandade do Profeta, lembra que Bibi já foi condenada por dois tribunais. “Quando eles a executarem, isso vai impedir que outras pessoas cometam blasfémia”, diz, citado pelo diário The Guardian.

O juiz Muhammad Iqbal Hammed-ur-Rehman informou os presentes que não poderia pronunciar-se sobre a condenação de Bibi. Invocando um conflito de interesses, o magistrado notou que participou na decisão de “um caso que está ligado a este”: em 2011, quando a Justiça recusou o recurso de Mumtaz Qadri, enforcado já no início deste ano, por ter assassinado Salman Taseer, o governador liberal do Punjab que defendeu Bibi e pediu a sua libertação.

“Alguém que defenda ou proteja uma pessoa que blasfemou será considerado igualmente um blasfemo”, avisa Hafiz Ihtesham Ahmed, porta-voz do movimento da Mesquita Vermelha. “Este é um caso sensível. Penso que os juízes perceberam que se Asia Bibi for libertada, é possível que a sua vida esteja em perigo”, afirma, citada pela AFP, Zohra Yusuf, presidente da Comissão Independente dos Direitos Humanos do Paquistão. Compreendendo a “apreensão” dos juízes, Yusuf descreve como “lamentável” o adiamento, sublinhando que Bibi está em isolamento por preocupações com a sua segurança.

A lei da blasfémia é muitas vezes instrumentalizada, com gente a apresentar queixas por disputas pessoais, com acusações falsas, difíceis de provar mas também de desmentir.

Bibi foi a primeira mulher condenada à morte por causa desta lei – é raro que os tribunais perdoem estes acusados, mas ainda nunca nenhum foi legalmente executado. O que acontece por vezes é suspeitos deste crime serem linchados por populares. Também já foram ameaçados ou mortos advogados, juízes e outros que se manifestaram a favor do fim desta lei.

A minoria cristã é especialmente visada pela lei da blasfémia, mas a maioria dos acusados até hoje são muçulmanos, seguidos de outra minoria, os ahmadis.

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