Num mundo cheio de contratos, o Nobel foi para quem ajuda a desenhá-los

Oliver Hart e Bengt Holmström recebem prémio Nobel da Economia pelo seu trabalho na área da teoria dos contratos. Política salarial, prémios dos gestores e privatizações são alguns dos temas focados

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Anúncio dos premiados deste ano do Prémio Nobel da Economia, esta segunda-feira AFP/JONATHAN NACKSTRAND
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Oliver Hart, da Universidade de Harvard AFP/JON CHASE
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Bengt Holmström, do Massachusetts Institute of Technology (MIT) AFP/KAYANA SZYMCZAK

Deve uma empresa pagar aos seus trabalhadores um salário fixo ou um salário variável de acordo com o seu desempenho? É melhor o Estado prestar directamente um serviço como as prisões ou assinar um contrato com uma empresa do sector privado para o fazer? Se um presidente executivo de uma grande empresa ganhar prémios sempre que as acções sobem, tem o incentivo certo para garantir ganhos aos accionistas que sejam sustentáveis?

A resposta a estas perguntas – algumas das mais importantes para a forma como as empresas, as pessoas e o Estado se relacionam em termos económicos – está muitas vezes nas “letras miúdas” dos contratos. E, por isso, foi sem surpresa que dois dos economistas que mais contribuíram para a compreensão de todas as implicações, consequências e problemas associados ao estabelecimento dos mais variados tipos de contratos foram nesta segunda-feira premiados com o prémio Nobel da Economia.

O finlandês Bengt Holmström, do MIT, e o britânico naturalizado norte-americano Oliver Hart, da Universidade de Harvard, tornaram-se nos mais recentes prémios Nobel da Economia (que tem como designação oficial Prémio do Banco da Suécia para as Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel) devido ao trabalho que realizaram na área da teoria dos contratos. A reacção de outro prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, ao anúncio mostra que a escolha da Academia desta vez tem muito pouco de polémico: “o mais surpreendente é perceber que ainda não o tinham recebido”.

O que os dois economistas residentes nos EUA fizeram foi, com estudos separados e maioritariamente publicados nos anos 70 e 80 do século passado, criar as fundações de um campo de estudos que ajuda a estabelecer as regras que devem ser seguidas quando se desenha um contrato. Em particular, ajudaram a que se percebesse melhor como é que aquilo que está previsto num contrato – como os incentivos ou a distribuição de risco entre as partes – influencia de forma decisiva o comportamento dos diversos agentes económicos.

O tema pode parecer à primeira vista reservado ao plano teórico, mas as consequências práticas já foram sentidas, em algum momento da vida, pela maioria das pessoas e das empresas: num contrato de trabalho, num contrato de seguros, num contrato de crédito, num contrato de fornecimento de serviços ou numa Parceria Público Privada (PPP), por exemplo.

Veja-se o caso da política salarial de uma empresa. Para dar um incentivo aos seus funcionários para melhorarem os seus resultados, uma ideia bastante habitual é uma empresa ligar os salários ao desempenho, em vez de definir um salário fixo. No entanto, Bengt Holmström estudou esta questão e chegou à conclusão que a relação causa efeito de um incentivo financeiro deste tipo não é assim tão óbvia, principalmente quando se está a falar de atribuir um peso muito grande à componente variável do vencimento.

O economista defende que a atribuição de um incentivo financeiro reduzido pode ter vantagens importantes em relação a um incentivo maior: mais cooperação entre os trabalhadores, maior valorização de factores como a cultura empresarial. Contudo, para que isto resulte é preciso que as regras e as regulações vigentes na empresa estejam bem definidas.  

Um problema semelhante a este é o dos prémios atribuídos aos presidentes executivos das grandes empresas, que no passado resultaram em práticas de gestão viradas para o curto prazo e, em alguns casos, susceptíveis a fraudes na apresentação dos resultados.

O caso Enron, nos Estados Unidos, em que os gestores da empresa esconderam prejuízos consecutivos, foi um dos mais famosos. Neste caso, Bengt Holmström disse que o problema estava na forma como os contratos foram escritos, que permitiam ganhos imediatos aos gestores quando as acções subiam. “Quando aconteceu o caso Enron, os reguladores poderiam ter corrigido as falhas no desenho dos contratos mas preferiram focar-se nas coisas erradas. Culparam as opções e compra de acções em geral, quando o problema estava simplesmente no facto de deixarem as opções serem accionadas demasiado depressa”.

Outra área em que a teoria dos contratos se aplica tem a ver com a forma como o Estado presta os serviços aos cidadãos. Os trabalhos de Holmström e Hart apontam também aqui para a ideia de que a opção entre a privatização (ou concessão) e a prestação directa pelo Estado de um serviço, depende da situação em concreto e, é claro, da forma como está desenhado o contrato. Neste capítulo, Oliver Hart conseguiu demonstrar os enormes riscos em termos de qualidade de serviço que os Estados correm quando decidem deixar para o sector privado áreas como as prisões ou a educação.

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