A salsicha existencialista

Uma animação para adultos que desafia todas as convenções – alarve e subtil, desvairada e inteligente, brejeira e metafísica.

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Este não é um filme de animação para miúdos, é exclusivamente dirigido a adultos
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Antes do mais, é preciso advertir, todas as vezes que for necessário, que Salsicha Party não é uma fita de animação para miúdos. Estamos a falar de um filme dirigido exclusivamente a públicos adultos, na tradição de coisas como Fritz o Gato de Ralph Bakshi, Heavy Metal – Universo em Fantasia de Gerald Potterton ou O Planeta Selvagem de René Laloux. Depois, há que convir que, por mais ou menos que se goste do trabalho que tem vindo a ser feito por Seth Rogen e Evan Goldberg no âmbito da comédia moderna americana, a dupla não se tem coibido de correr riscos. Depois do apocalipse meta-referencial de Isto é o Fim! ou da controvérsia política de A Entrevista, são Rogen e Goldberg, co-argumentistas e produtores, que dirigem Salsicha Party para uma espécie de meditação existencialista-metafísica sobre a fé e religião vista pelos olhos dos alimentos de um supermercado.

Se isto não chega para vos fazer coçar a cabeça, expliquemos melhor: os nossos “heróis” são Frank, uma salsicha de cachorro quente com a voz de Rogen, e Brenda, um pãozinho de cachorro quente com a voz de Kristen Wiig, que sonham com o momento em que possam finalmente cair nos braços um do outro em casa dos deuses que os comprarem. Cada dia o supermercado onde esperam abre as portas com um hino de louvor entoado pelos alimentos aos maravilhosos humanos que os farão felizes no “fabuloso além”. Mal sabem eles, claro - e o momento da revelação é digno de um grande filme de terror. Visto que por ali também passam um duche vaginal vingativo e um taco lésbico (com a voz de Salma Hayek), uma pastilha elástica moldada à imagem do físico Stephen Hawking, e um bagel judeu e um lavash arménio que passam o tempo a mandar vir um com o outro, dá para perceber depressa que Salsicha Party é das coisas mais inexplicavelmente singulares que um grande estúdio americano deitou cá para fora em décadas.

O choque é tanto maior quanto damos por nós a perceber que Salsicha Party, apesar da alarvidade procurada, assumida e concretizada, é tudo menos estúpido e tem a cabeça no sítio. O seu absurdo surreal limita-se a transferir as meditações existenciais que, por exemplo, preocupam Terrence Malick para o espaço criativo de uma comédia brejeira que não recua perante as fronteiras do “bom gosto” e da “decência”. E é um exemplo que ilustra na perfeição como a animação permite contar histórias que nunca poderiam ser filmadas em imagem real, e que essas histórias não têm de ser só canções de embalar meninos – Salsicha Party faz aliás muita questão de dar cabo dessas ideias feitas com um prazer anárquico quase sádico. Simultaneamente bronco e inteligente, sugestivo e óbvio, absurdo e lógico, Salsicha Party é daqueles filmes dos quais se pode não gostar, mas não há como não reconhecer que não há, nem vai haver, outro filme assim tão cedo – e que tenha sido um dos grandes êxitos de bilheteira do verão americano é ainda mais incompreensível.

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