Anarquistas em Atenas, graças aos deuses

O governo norte-americano recomenda que os turistas se afastem de Exárchia, o centro da cultura alternativa da capital grega. Talvez esse seja mesmo um excelente motivo para lá ficar uns dias

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John Kolesidis/Reuters

Os viajantes que visitam a Grécia costumam, quase invariavelmente, torcer o nariz a Atenas. Acusam-na de poluição, desorganização, desinteresse. Para quem procura afastar-se um pouco do labirinto turístico entre Monastiraki e a Plaka, quem não estiver apenas interessado nos envolventes testemunhos da cultura clássica da Acrópole e da Ágora, existe um bairro inteiro para descobrir em Exárchia, “capital mundial do anarquismo”, onde a polícia raramente entra, até porque nunca é convidada.

A imprensa fala de “ground zero for riots”, “hell’s kitchen”, barril de pólvora, gatilho dos mais sérios protestos que, desde 2008, têm tido lugar na capital grega. Os EUA classificam-no como um dos bairros mais perigosos da Europa. Os próprios atenienses redobram os conselhos a quem pretende visitar a zona.

Há, no entanto, muito mais em Exárchia do que a atracção pelo abismo. Tal como outras zonas da cidade, é um museu de arte urbana, com "graffitis" que ganham contornos marcadamente políticos, sobretudo anticapitalistas, anti-polícia, a favor da autogestão e das liberdades. Desde pequenos "tags" que anunciam o ódio às forças de segurança a imensos murais do tamanho de prédios de cinco andares, os "graffitis" de Exárchia, olhados de baixo, em direcção a um sol de trintas e muitos graus, causam impacto.

É esta a primeira sensação, depois de se sair do metro em Omónia, que tem quem caminha em direcção ao coração deste dragão urbano, a Praça de Exárchia. Um dragão em repouso, sim, mas que, à semelhança de outros dragões mais mediáticos, é capaz de acordar sem se dar por isso e de se impor por si próprio.

Um “organismo democrático em movimento”

Entre a juventude sentada, deitada, gesticulando, observando… entretidos numa conversa daquelas que muda o mundo, uma pausa para admirar os muitos edifícios neoclássicos em cada quarteirão, incluindo aquele que foi um dos primeiros edifícios de apartamentos de Atenas, em plena praça. E o do Polytechneio, onde começaram, em Novembro de 1973, os protestos que levariam mais tarde à deposição da ditadura dirigida pela Junta Militar.

Exárchia é muito mais do que o bairro grego onde se reúnem anarquistas e militantes de esquerda. É-o principalmente isso, claro. Mas é também um centro de cultura alternativa, onde é possível encontrar fascinantes lojas de música, como a Rhythm Records, de roupa em primeira, segunda ou terceira mão, com nomes curiosos como Yesterday’s Bread, galerias de arte como a Cheapart e muitos, muitos cafés, bares e restaurantes. Um jantar no Vergina, que não tem site mas tem doses generosas para refeições a menos de 15 euros, um "ouzo" no Cusco (onde com sorte será a noite da Power Pony Party) e uma noite no terraço do Nosotros, o tal “organismo democrático em movimento”, vão decerto terminar em intensas controvérsias e em intermináveis tentativas de idealizar a sociedade perfeita.

Exárchia respira reivindicação em cada muro. O tributo a Alexander Grigoropoulou, o adolescente de 15 anos morto pela polícia a 6 de Dezembro de 2008, relembra que se trata de um lugar com uma memória presente, um espaço crítico essencial, um centro de debate com uma vontade ímpar de mudança.

Afinal, não tem sido esse, ao longo da história, o principal legado de Atenas? 

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