Uma rua em São Paulo que é como o mundo todo

Na Rua Augusta, entre bares, lojas e algo intermédio, não seria estranho ver sair de uma porta James Dean arrastando a sua “Juventude Transviada"

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Blog do Milton Jung/Flickr

A rua que liga o abastado bairro paulista dos Jardins ao centro muda à velocidade de um flash. Tudo começa em plena elegância, sendo a Augusta cortada, a dada altura, pela oitava rua mais luxuosa do mundo, a Óscar Freire. O trecho que parte da Rua dos Estados Unidos até à Avenida Paulista é uma artéria requintada, onde as boutiques de marcas internacionais e os restaurantes caros se intercalam com galerias ao ar livre.

Para quem está desejoso de sair dos circuitos comerciais do pronto-a-vestir, este trecho da Augusta é um achado. A Mulher do Padre, uma "t-shirt store", é disso o melhor exemplo.

Da Paulista para lá é que o caso muda de figura. A Augusta transforma-se numa das vias mais heterogéneas de São Paulo, onde, principalmente de noite, as tribos urbanas abrem as suas asas e soltam as suas feras.

Desde o início que esta estava vocacionada para ser uma rua para os jovens paulistas. Fundada por um português, em 1897, vieram primeiro os colégios, os cinemas, nos anos 50, e os clubes nocturnos, na década de 60.

O ritmo frenético de uma multidão urbana cheia de "Fúria de Viver" ocupava a rua durante toda a semana. Tanto ficou famosa esta artéria de São Paulo que até lhe dedicaram músicas, no auge da sua glória. Porém, nem tudo foi rock ‘n roll nas décadas que se seguiram. A violência cresceu, os centros comerciais brotaram e os jovens afastaram-se do centro. A Augusta ficou entregue a umas quantas casas de massagens e clubes americanos de diversão duvidosa e passou a ser frequentada por um outro tipo de freguesia.

O renascimento da Augusta

Apenas recentemente a rua se livrou da fama de ser um dos principais pontos de prostituição de São Paulo. Um movimento de reabilitação relacionado com novas tendências devolveu-lhe toda a aura de experimentalismo. O Inferno e a experiência do Studio SP chamaram de novo ao centro da cidade uma juventude farta das discotecas "mainstream" e pronta para viver outro tipo de sensações.

Foram inclusive reanimados cinemas que promovem filmes alternativos, entre os quais os portugueses. São comuns as filas no Espaço Itaú de Cinema para o último do Manoel Oliveira ou do Lars Von Trier. Verídico.

A Rua Augusta é hoje o paradigma de uma juventude brasileira desejosa de viver a cidade. E durante a noite é quando esta visão se mostra mais florescente. Não é raro ver passar um grupo de punks cujas cristas desafiam a altura dos prédios, "drag queens" a abrir os braços ao trânsito, um grupo de raparigas sozinhas, todas elas samba no pé, dois rapazes de mãos dadas sem ninguém olhar duas vezes, adolescentes com “t-shirts” das bandas de Seattle ou rockers da velha guarda.

E nessa festa vale tudo, a meio da noite. Até deixar o cabelo nas mãos dos artistas do Retro Hair, se a coragem não faltar. E depois, "dance bem ou dance mal", provavelmente estarão "As Frenéticas" a gritar dentro da Blitz Haus e é impossível resistir.

Como se daquela rua partisse diariamente a energia que alimenta a metrópole mais populosa das Américas. Uma cidade mais segura, com uma paleta de cores e uma vontade de mudança como provavelmente nenhuma outra no mundo sonhará ter.

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