Street food, os negócios sobre rodas que chegaram às ruas do Porto

Projecto experimental da Câmara do Porto regulamentou 12 negócios de comida ambulante que vão estar espalhados pela cidade até 31 de Outubro. Mas nem todos estão já a funcionar.

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Apesar da desconfiança dos clientes portugueses, os três comerciantes referem que a aceitação é crescente Fernando Veludo/nfactos
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Comer bem, na rua, é uma das mais recentes tendências a ganhar seguidores em Portugal. O negócios de street food andam, literalmente, sobre rodas e já começaram a circular pela cidade, depois de a Câmara do Porto ter aberto um concurso para licenciar negócios de comida de rua. De sandes, a petiscos, passando por ceviche, waffles, cocktails ou produtos naturais, 12 empreendedores conseguiram uma licença para montar o seu negócio na rua e vender os seus produtos por três meses, até ao final do mês de Outubro.

Ao final da tarde, Hakim Fatri, 35 anos, chega com o seu carrinho de waffles belgas. E o amarelo vibrante, com apontamentos pretos e vermelhos, denunciam a homenagem ao país de onde saiu há dois meses. A sua carrinha é uma das três foodtrucks que estão estacionadas na Avenida D. Carlos I, junto ao Passeio Alegre, um dos locais de venda da comida de rua. Chegou a Portugal, sozinho, porque queria “mudar de vida”, depois de ter trabalhado 12 anos como agente de seguros.

“Em Abril vim ao Porto e dormi num hostel onde me mostraram um artigo sobre comida ambulante e fiquei a pensar nisso”, conta o belga. Durante essa estadia, Hakim provou os waffles que se vendiam na cidade mas concluiu que nada tinham a ver com os que são confeccionados na Bélgica, onde são considerados uma “especialidade”. Por isso, criou a Sabores da Bélgica, para vender os “verdadeiros” waffles, cobertos com açúcar ou com chocolate quente e belga, claro está.

“As autarquias começam a abrir-se um pouco mais à street food e a entender que ela pode trazer alguma dinâmica às cidades”, refere José Borralho, vice-presidente da Street Food Portugal, uma associação criada há cerca de ano e meio para “orientar” os que se querem aventurar num “mercado novo” no país. Neste período, o responsável afirma que o sector cresceu cerca de 400%, um “crescimento anormal”, precisamente pela novidade do mercado.

E as razões para apostar neste tipo de negócio são várias. Podem ser jovens que querem arriscar ou pessoas, como Hakim, que toda a vida tiveram um emprego e decidiram lançar-se em novas aventuras, concretamente na street food. Mas a grande maioria, diz José Borralho, entra no negócio porque “sempre gostou da área da restauração. Alguns deles até gostavam de ter restaurantes mas os investimentos associados à criação de um são muito mais elevados”.

Foi o que Luís Teles, 25 anos, técnico de saúde, e Emanuel Marques, 27 anos, funcionário no aeroporto mas licenciado em Comunicação e Multimédia, pensaram quando lançaram a Na Calçada, que instalaram ao lado da carrinha de Hakim. Uma bancada artesanal, construída com caixas de madeira de vinho do Porto e com janelas compradas numa cave devoluta e adornadas com flores, é “um pequeno passo para o sonho” que os dois têm de abrir um espaço permanente de restauração.

A primeira abordagem dos dois sócios foi ao conceito da batata recheada. Mas rapidamente perceberam que, nesta época estival, as pessoas não iam querer comer algo quente. Por isso, tiveram de alargar a oferta que tem como base a cozinha tradicional portuguesa. Pegaram na alheira, no vinho do Porto, na carne de porco recheada, no molho de leitão e reinventaram a apresentação dos pratos, seja numa quiche ou num pão recheado, em formas práticas para que se possa comer na rua. Sem esquecer a torta de laranja com sementes de papoila e o brownie de chocolate e caramelo com gelado, para adoçar o final da refeição.

Apesar de despertarem olhares curiosos dos que por ali passeiam, são poucos os que, àquela hora, se aproximam. Estes veículos, para lá da bifana, dos cachorros, das pipocas e das farturas, ainda causam alguma estranheza aos portugueses. “Os estrangeiros estão mais familiarizados com o conceito de street food. Os portugueses olham com mais desconfiança”, assinala Luís Teles. Diferente do que acontece nos EUA ou nos países asiáticos onde faz parte da cultura gastronómica.

E foi justamente numa visita a Nova Iorque que Alexandre Meireles, 35 anos, engenheiro, conheceu o poke (uma espécie de salada de peixe) e se apercebeu de que poderia haver ali uma oportunidade para lançar um negócio com um produto saudável como o ceviche. “Rapidamente trouxemos o conceito, criámos a nossa marca e adaptámos as receitas ao que sentimos que Portugal precisava. Crámos os molhos, escolhemos o tipo de peixe, juntamos os nossos vegetais e no dia 25 de Julho tínhamos a Ceviche e Poke Bowls pronta para abrir no Mercado do Bom Sucesso”, conta Alexandre. Quando soube do concurso para a street food, pensou que seria uma oportunidade para a empresa “activar a marca” e dar a conhecer o poke e o ceviche aos portuenses.

“Muitos restaurantes começam também a vender na rua para promover o espaço em si ou lançar um produto novo que têm no seu restaurante”, adianta ainda José Borralho.

Apesar da desconfiança dos clientes portugueses, os três referem que a aceitação é crescente. “Os portugueses começam a vir buscar para levar para casa e a voltar”, destaca Alexandre.

A dificuldade do licenciamento e o mau tempo

Ter um negócio de comida ambulante “não é só vir para a rua, abrir uma carrinha ou uma mota e começar a vender”, alerta o vice-presidente da Street Food Portugal. As dificuldades no licenciamento de ocupação de espaço público são a maior queixa num negócio que dá os primeiros passos. “O Porto estava precisamente nesse contexto. Muitas vezes, esta dificuldade de licenciamento vem dos autarcas que pensam que a street food é um concorrente desleal da restauração tradicional”, explica José Borralho. “E não tem de ser assim. Deve antes ser um complemento à restauração tradicional. O que tem de haver é muito bom senso por parte de quem atribui a licença", ressalva.

A par desta dificuldade, a venda de comida ambulante está dependente das condições meteorológicas. A zona da Foz, por exemplo, é particularmente ventosa, o que afasta alguns curiosos. “Neste local, em Outubro, não me parece que esteja um tempo favorável a este tipo de negócio e, portanto, desses três meses que nos foram dados temos cerca de dois meses úteis”, nota Luís Teles.

A logística relacionada com a fornecimento de água e da luz também impediu que os três arrancassem com o negócio logo do início de Agosto. De acordo com os vendedores, só cinco dos 12 negócios licenciados estão a funcionar. “A câmara não deu grande apoio. Quando chegámos aqui, o sítio para pôr os stands estava cheio de carros”, nota Hakim Fatri. Por outro lado, o desenho do próprio concurso “limitou bastante o tempo que foi dado para a concepção do atrelado porque ninguém ia investir num carro de comida ambulante sem saber se seria realmente aceite ou não”, nota Luís Teles.

O investimento em street food é mais baixo quando comparado com um restaurante, o retorno é mais rápido, mas a vida nómada é também uma certeza para quem quer viver deambulando. Cerca de 85% dos negócios vivem de eventos, como festivais de Verão e romarias, enquanto apenas 15% conseguiram posições fixas, aponta José Borralho.

Hakim investiu dez mil euros na sua carrinha, já com todas as adaptações e com a decoração. Juntando o resto das despesas, onde se incluem os ingredientes para os waffles, luz e água e a licença paga à autarquia, o montante total subiu até aos 12 mil euros. Ainda assim abaixo dos 30 mil euros - a quantia que José Borralho aponta como suficiente para implementar um negócio de street food, incluindo a aquisição da mota ou do atrelado. O retorno desse investimento pode ir dos nove meses aos três anos, estima.

Os projectos não param de aparecer e o sector “tem condições para começar a crescer 15 a 20% ao ano”, estima José Borralho. De acordo com a Street Food Portugal, há cerca de 300 empresas dedicadas à comida de rua, que representam cerca de seis milhões de euros em termos de volume de negócio.

Depois de um mês a vender na rua, os três pensam já no que fazer em Outubro quando o período de licenciamento acabar, não escondendo a esperança de que as licenças possam ser renovadas. Alexandre quer continuar a promover os produtos da marca, Luís não esconde a vontade de ter um espaço físico onde quer manter o conceito que iniciou na rua. Já Hakim pede que a licença seja prolongada e que o deixem vender por toda a cidade. Mas já equaciona deixar a rua e usar a sua foodtruck apenas em eventos privados.

Texto editado por Ana Fernandes    

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