O relógio biológico não parou, nem com o “fantasma da crise”

A urgência e o sobressalto do “já não dá para esperar” é comum a muitas mulheres. Em vários centros de saúde e hospitais, há consultas destinadas a grávidas com idade mais avançada. Falámos com algumas.

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Mafalda Galego, enfermeira, 35 anos, acaba de ter o segundo filho NELSON GARRIDO

Tomás nasceu há uma semana. Parto sem complicações, sem riscos. E isso nota-se na voz calma da mãe. É o segundo filho de Mafalda Galego, 35 anos, enfermeira especialista em saúde materna e obstetrícia no Centro Materno-Infantil do Norte, e do marido. “Tínhamos alguns receios, são dois filhos e o futuro também não está muito risonho”, diz, mas o casal de Vila Nova de Gaia fez jus ao projecto que tinha. Decidiram em 2014 que no ano seguinte dariam um irmão a Leonor, que em Outubro faz 5 anos.

Os receios da primeira gravidez e uma posição económica estável levaram o casal a acompanhar o nascimento do primeiro filho no sector privado. “Ainda não tínhamos sofrido aqueles cortes avassaladores que tivemos nos nossos ordenados”, diz Mafalda Galego. Também o marido é enfermeiro. Na altura, “havia uma folga económica muito maior, coisa que não se verificou nesta gravidez.” Nesta segunda recorreram ao público.

No atendimento, Mafalda não notou diferença. “Em Portugal, temos um óptimo atendimento à mulher grávida, muito completo e acho que houve uma grande evolução. Em 30 anos reduzimos muito a taxa de mortalidade infantil e materna.”

“Esta conjuntura deu mais confiança às pessoas para arrancarem com a gravidez”, acredita. Ainda é visível, contudo, o peso da crise, mesmo depois do pior já ter passado. “A classe média pondera muito mais avançar com uma gravidez, faz mais planeamento.” Mas há ainda quem “invista muito na família numerosa”, porque tem “outro suporte”. E nas “classes baixas vemos um número de filhos mais avultado, às vezes com ambos os pais desempregados e já vão no terceiro filho”. É o que lhe diz a experiência de quatro anos como enfermeira na maternidade.

“Muitas senhoras são mães aos 40”

“Há muitas senhoras que são mães aos 40, muitas a ser mães pela primeira vez com mais de 35 também”, o que implicou mudanças ao nível dos protocolos hospitalares. Em muitos centros de saúde e hospitais, há consultas destinadas a grávidas com idade mais avançada.

“A questão profissional também pesa muito. Isso aconteceu comigo, não numa idade tão tardia, mas fui mãe pela primeira vez aos 30.” A segunda aos 35.

Lurdes Silva tinha 36 quando nasceu Miguel, o primeiro filho, e a intenção de ter um segundo. Desde então, “a situação económica não mudou, mas era agora ou não era”. A segunda filha nasceu há pouco mais de dois meses. Para esta mãe, com 40 anos, “pesou muito a idade”. O relógio biológico não parava de contar, nem com o “fantasma da crise” à perna.

“Vamos atrasando as coisas: queremos ter um emprego e rendimentos fixos, queremos estabilizar. Uma estabilidade que nunca chega.” Lurdes faz consultoria alimentar em várias empresas e admite que a construção da carreira profissional teve “estes custos na vida pessoal.”

Foi acompanhada no centro de saúde e fez exames num hospital privado, cobertos pelo seguro. “Fiz uma série de exames e rastreios que não tinha feito na primeira gravidez. Não era uma gravidez de risco, mas a minha filha acabou por nascer prematura”, conta.

Esta urgência e o sobressalto do “já não dá para esperar” é comum aos colegas e amigos de Lurdes. “Vejo as minhas amigas com 35, 38 e 40 anos a terem o primeiro ou o segundo filho. Nota-se uma urgência e todos começam a pensar nisso.”

A maioria fica-se pelo primeiro filho. “Mas mais do que os custos directos, preocupam-se com quem vai ficar com os filhos quando forem trabalhar.” Ao contrário de Lurdes, natural da aldeia de Macieira da Lixa, no concelho de Felgueiras, onde vive, os amigos dela “têm ainda mais factores a pesar porque vivem na cidade”. A maioria não tem familiares próximos que possam tomar conta das crianças. A conta da creche soma-se à lista das despesas no final do mês.

Lurdes afirma que não encontrou incentivos à natalidade. Mesmo assim, tem notado que há cada vez mais bebés nas cidades próximas de Felgueiras e Amarante. “A turma da minha filha terá com certeza mais alunos do que a do Miguel”, acredita.

Já Dinis, de dois meses, de certeza que vai perder esta batalha para a irmã, de 16 anos. Apesar da mãe, Susana Vieira, ver muitas novas mães, “não nascem bebés como antes”.

O anúncio de que Dinis estava a caminho foi um “misto de emoções” para os pais: a “alegria de ter um novo filho” e a “preocupação” com os tempos de crise em que o bebé ia nascer. “Assustou-me um bocadinho por causa disso.” Quando Inês nasceu, há 16 anos, “não era uma época tão complicada. Não havia problemas de dinheiro. Trabalhava-se bem e as preocupações eram completamente diferentes”.  

A idade também não ajudou. Susana tem 41 anos e não contava ter um filho nesta altura. Trabalha em casa com o marido numa mini confecção de artigos para crianças. O trabalho é instável, “não há ajudas, nem incentivos”. “Nada de livros, nem transportes nem ATL, o que implica que se gaste muito dinheiro.”

Susana vive em Vila Meã, no concelho de Amarante, e quer manter o filho consigo em casa até aos três anos. Talvez depois venha a arranjar uma ama ou a colocar Dinis num jardim-de-infância. “Eu sei que nascem menos bebés, mas há o desejo de ter mais. As pessoas querem mesmo ter mais do que um filho".

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