Erdogan promete atacar "sem misericórdia" empresas ligadas a Gülen

Recusando críticas dos aliados, Presidente turco diz que "é no mundo dos negócios" que o movimento fundado pelo imã "é mais forte". Comissão Europeia recusa proposta austríaca para pôr ponto final nas negociações de adesão.

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Erdogan diz que o movimento fundado pelo imã é "uma organização terrorista pura e simples" Murat Cetinmuhurdar/Reuters

Depois do Exército, dos juízes e dos magistrados, dos funcionários públicos e dos professores, a grande purga prometida pelo Presidente turco vira-se para as empresas ligadas (ou suspeitas de ligações) ao movimento de Fethullah Gülen, o imã exilado nos EUA que Ancara acusa de ser o responsável pelo golpe militar fracassado de 15 de Julho. Indiferente às críticas internacionais, Recep Tayyip Erdogan insiste que “não haverá misericórdia com ninguém” que tenha estado do lado dos golpistas.

A resposta à tentativa de golpe continua a estreitar as já delicadas pontes entre Ancara e os seus principais aliados, apesar de os analistas sublinharem que nem mesmo esta convulsão é suficiente para levar Erdogan a quebrar os laços que há décadas sustentam a política externa da Turquia. Um tribunal de Istambul emitiu nesta quinta-feira um mandado de captura contra Gülen, desencadeando um processo de extradição que Washington diz que só acontecerá se a Turquia, “país amigo, aliado e parceiro na NATO”, apresentar provas concretas do envolvimento do imã na conspiração, o que ele nega.

Do lado europeu, as críticas não são contidas e o chanceler austríaco, Christian Kern, subiu o tom da repreensão ao defender que a União Europeia deve pôr um ponto final nas negociações com Ancara, já que estas “não passam de uma ficção”, pois “as normas democráticas turcas estão longe de ser suficientes para justificar a sua adesão”. O Governo turco lamentou que as declarações do líder social-democrata “sejam tão semelhantes às da extrema-direita” e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, teve de vir pôr água na fervura, afirmando que, apesar “de a Turquia, na situação actual, não estar em condições de ser membro da UE”, a ruptura unilateral das negociações “seria um grave erro de política externa”.

Erdogan, contudo, não está disposto a qualquer cedência e avisa que mais pessoas se vão juntar às mais de 60 mil que já foram detidas, suspensas de funções ou colocadas sob investigação por suspeitas de ligação ao Hizmet, o movimento fundado na década de 1970 por Gülen, um defensor do islão moderado e que até 2013 foi um dos principais aliados de Erdogan.

Num discurso perante empresários e transmitido através da televisão, o Presidente reafirmou que a rede de escolas, empresas e organizações sociais ligadas ao imã “nada tem a ver com uma comunidade religiosa”. “Eles são uma organização terrorista pura e simples”, “um vírus que se infiltrou em todo o lado”.

Logo a seguir ao golpe, que se saldou na morte de mais de 260 pessoas, na sua maioria civis, a purga centrou-se nos funcionários públicos – militares, juízes, professores – mas aos poucos foi estendendo-se ao sector privado – jornalistas, trabalhadores de hospitais e escolas ligadas ao Hizmet. Agora, Erdogan diz que chegou a vez de asfixiar o pulmão económico do movimento. “O mundo dos negócios é onde eles são mais fortes”, mas o Governo “está determinado a cortar totalmente todos os laços empresariais desta organização, que tem sangue nas mãos”, disse o Presidente, acrescentando que, “da mesma forma que não haverá perdão para quem disparou, quem financiou as balas também não será perdoado”.

A Reuters adianta que entre os 25 mil detidos – 13 mil dos quais continuam na prisão – está o presidente e vários administradores da Boydak Holding, um conglomerado com participações numa dezena de sectores de actividade, e o presidente da Petkim, o maior grupo petroquímico da Turquia. Mas boa parte do financiamento do Hizmet tem origem em cerca de dois mil estabelecimentos de ensino que gere em mais de uma centena de países, dos EUA ao Afeganistão. Fechá-los não será tarefa fácil, mas a pressão já começou. Mehdi Eker, vice-presidente do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, liderado por Erdogan), disse ao jornal Washington Post que se Ancara “tivesse sabido que estas escolas não eram inocentes ninhos educacionais, mas berçários para membros de uma organização terrorista, não teria passado por este golpe”.

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