Quatro mil doentes à espera da primeira consulta no Centro Hospitalar do Algarve

Responsáveis hospitalares admitiram ainda na comissão parlamentar da Saúde que a falta da anestesistas está a impedir a realização de cirurgias.

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No dia-a-dia, os profissionais enfrentam carências de toda a ordem nos hospitais de Faro e Portimão Virgílio Rodrigues

A assistência hospitalar, no Algarve, continua deficitária e os problemas não se resumem só à falta de clinicos e de financiamento. Os profissionais estão desmotivados. Foi esta a mensagem, deixada pelos directores dos departamentos do Centro Hospitalar do Algarve (CHA), ouvidos esta terça-feira na comissão parlamentar de saúde, a pedido do PSD.

“As coisas continuam sem resolução, por enquanto. Infelizmente não há toques de magia", afirmou Ulisses de Brito, um dos seis directores de departamentos, insatisfeito com as promessas não cumpridas. O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, garantiu há três meses, aquando da tomada de posse do novo conselho de administração do CHA, que até final de Maio, os principais problemas no sector da Saúde iriam estar resolvidos. Mas tal não aconteceu, apontaram os médicos.

“Não trabalhamos, porque não temos anestesistas. Isto é gravíssimo", criticou o director do departamento de Cirurgia do CHA, João Ildefonso. Apresentando a escala do mês de Julho, o responsável lançou ainda um alerta aos deputados. “Não há uma única tarde em que possamos operar”, por falta de anestesistas. Os médicos nesta especialidade, salientou, são menos de um terço do que seria necessário. “Lutamos para trabalhar e pagam-nos para não trabalhar”, concluiu.

A média etária dos médicos, no CHA, anda pelos 50 anos de idade. Os vários concursos para atrair novos clínicos, sistematicamente, ficam desertos. Como solução de recurso, a administração do CHA intensificou a colaboração com os hospitais de Lisboa, para transferir doentes, quando os serviços estão à beira da ruptura. “Esta situação não se resolve com protocolos ou contratos para fazer urgências”, alertou. As medidas provisórias, justificou, “não vão terminar com 4 mil primeiras consultas em lista de espera”. 

O deputado comunista Paulo Sá ilustrou o quadro clínico apresentando um caso concreto. Cinco anos depois de uma marcação de consulta de dermatologia, o CHA enviou uma carta a uma utente a perguntar se ainda esta “interessada” na consulta. Ulisses de Brito justificou o atraso com o número de médicos desta especialidade. Chegaram a ser sete e são agora só dois, um no Hospital de Faro, o outro no Hospital do Barlavento, em Portimão, explicou.

"O hospital está a abarrotar"

O também representante regional da Ordem dos Médicos deixou ainda criticas quando às condições de trabalho e de internamento. "O hospital está a abarrotar, todos os pequenos espaços são disputados por 20 ou 30 pessoas. O hospital de Faro atingiu o seu limite. Temos de pensar seriamente na construção do novo hospital central do Algarve”, defendeu.

A adjunta da direcção clínica do CHA, Ana Lopes, sublinhou o mesmo tom critico. “Muitas vezes não fazemos mais consultas porque não temos espaços disponíveis para consulta”, disse a responsável que alertou ainda para o registo de eventuais infecções hospitalares. "Temos doentes lado a lado. Não se respeitam os mínimos necessários de segurança.”

Os deputados que apoiam a maioria no Parlamento acusaram o PSD, que pediu uma audição de vários responsáveis da saúde na região, de pretender “branquear” a responsabilidade do anterior governo PSD/CDS, que criou o CHA. “Os números provam que a situação piorou”, justificou o deputado social-democrata, Cristovão Norte.

O director da Urgência do CHA, Carlos Godinho, disse que actualmente aquele serviço não é capaz de evitar mais casos como o do doente que morreu com um AVC em Dezembro. “Não estamos aptos para evitar que estes problemas se reptiam", reconheceu.

Por seu lado, o presidente do novo conselho de administração do CHA, Joaquim Ramalho, queixou-se de ter encontrado, há três meses, quando tomou posse, “um clima pouco simpático, com alguma tensão e pouco colaborativo”.

A 24 de Maio, os directores dos departamento do CHA assinaram um carta a chamar a atenção para os problemas que persistem há vários anos. Às criticas dos médicos, respondeu o presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve, Moura Reis, apresentando aos deputados um conjunto de medidas de “modernização” dos serviços do SNS, que vão desde a telemedicina às colaborações e assinaturas de protocolos com outros centros hospitalares do país.

No dia-a-dia, os profissionais enfrentam carências de toda a ordem. “Os equipamentos [hospitalares] estão obsoletos e moribundos”, enfatizou, por sua vez, Ana Lopes. Quando os médicos fogem para os privados, justificou, “não é só pelo dinheiro, é também pelos condições de trabalho”, insistiu.

Recentemente, o problema da anestesia foi minimizado, segundo a presidente da Conselho de Administração do CHA. Através de uma autorização governamental, foi autorizado o pagamento de horas extra a estes especialistas. Sobre o modelo de gestão, criado pelo anterior Governo, Joaquim Ramalho considera que é “governável”, adiantando que o Hospital de Faro e de Portimão funcionam como “complementares” na prestação de serviços.

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