“O Presidente sempre a aguentar o Governo, por uns tempos”

Numa estufa de cogumelos, Marcelo recorre a uma metáfora para “pôr nervos a parte da classe política”. Foi no segundo dia do Portugal Próximo pelas terras distantes de Trás-os-Montes, contra a desertificação.

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Manuel Roberto

Marcelo Rebelo de Sousa avisara, antes de entrar na estufa refrigerada onde ia poder apanhar cogumelos: “Colher cogumelos dá umas imagens televisivas para pôr nervos a parte da classe política”. Mal teve oportunidade, deixou cair a piada.

Com a faca na mão, o chefe de Estado lança o olho e apanha um cogumelo grande, castanho, mas vêm dois. “É o duplo cogumelo: este grande é o cogumelo presidencial, este mais pequeno é o governo. Solidariedade institucional. O Presidente sempre a aguentar o governo, por uns tempos”.

Sem governantes por perto, mas com autarcas na comitiva, Marcelo prossegue a colheita. “Agora vamos aos brancos, é o poder local”, diz. Apanha outro duplo: “É a câmara municipal e a assembleia municipal. A seguir vamos às freguesias”, ri-se.

“Sabe que também se podem comer assim?”, comenta o proprietário da Sousacamp, em Vila Flor. Marcelo não se faz rogado e mete um cogumelo na boca, ainda o produtor avisava que só faltava o tempero. “Há coisas piores na vida”, diz o Presidente, entre uma trinca e outra no pequeno cogumelo branco. Mas afinal, “é muito bom”. E prossegue a colheita, com a faca e já outro cogumelo na mão.

Foi a picardia política do segundo dia do Portugal Próximo por terras distantes de Trás-os-Montes. Dos Bombeiros Voluntários de Bragança à Adega Cooperativa de Freixo de Espada à Cinta, Marcelo foi sempre Marcelo: elogiou os soldados da paz no arranque da fase Charlie dos incêndios, deu sugestões de arranjos no Museu Abade Baçal, falou em várias línguas aos estudantes Erasmus do Instituto Politécnico de Bragança, andou imune ao cheiro no meio do estrume da produção de cogumelos… e deu beijos, abraços, “bacalhaus”, palmadas nas costas, sorrisos, gracinhas e selfies aos milhares pelas ruas de todos os locais por onde passou.

“Sou monárquica, mas adoro este Presidente: é mediador, coerente e pacifista”, afirma ao PÚBLICO Felisa Gonzales Peres, espanhola de Ávila que vive em Bragança desde que casou, “antes do 25 de Abril”. Adorou a campanha eleitoral de Marcelo e não tem dúvidas: “O Presidente podia ser rei: só lhe falta a coroa”.

Nem isso (quase) lhe faltou em Alfândega da Fé, ao fim da tarde: na recriação da leitura do foral concedido por D. Dinis no século XIII, Marcelo Rebelo de Sousa foi incluído no rol de nobres citados. Mas a coroa de glória colhe-a sempre o Presidente em simpatia e popularidade. Num concelho com cinco mil habitantes – 20 por quilómetro quadrado, quando a média nacional é de 120 –, várias centenas amontoaram-se na pequena rua pedonal que desemboca no largo de S. Sebastião, cerca de 300 metros superlotados de pessoas de todas as idades (muitos quilómetros quadrados de gente, portanto) a disputar uma atenção presidencial. E muitos conseguiram-na. Até um cão foi trazido ao colo para ver Marcelo e não saiu dali sem uma festinha.

“Ando aqui ora à esquerda ora à direita, porque o Presidente tem de estar rigorosamente ao centro”, respondeu a um jornalista que lhe perguntou se ia deixar alguém sem cumprimentos. Ao longo da cerca de hora e meia que demorou a percorrer a pequena via, tocou bombo, reencontrou velhos conhecidos, descerrou uma placa, recebeu cartas e desenhos infantis. Olhou para um, com várias figuras desenhadas, um homem maior que os outros e arriscou: “É o Presidente, sou eu? É o primeiro-ministro? O presidente da câmara? Não, é o Cristiano Ronaldo, que é o maior de todos!”

No fim da rua veio o discurso, a declaração de intenções deste Portugal Próximo, já o céu ameaçava desabar em água depois de mais um dia de intenso calor. A presidente da Câmara, a socialista Berta Nunes, pedira ajuda ao Presidente para insistir com o Governo sobre a necessidade de “medidas para combater o despovoamento, o envelhecimento, a emigração e a incapacidade de fixar os jovens”. Marcelo retomou o desafio da véspera: “O Governo criou uma unidade de missão para as terras longe do mar, mas é preciso ir mais longe, é preciso um grupo específico preocupado com Trás-os-Montes e Alto Douro e trazer fundos do Portugal 2020 para esta região. Não se pode perder esta oportunidade”, disse.

E depois, num tom mais emotivo, falou dos problemas da região como sendo seus, lembrou que também ele tem família fora do país, que também ele sabe o que é a periferia, pois foi presidente da Assembleia Municipal de Celorico de Basto durante oito anos. Curvado sobre o púlpito, tentando olhar nos olhos de quem o ouvia apesar de estar num palco, falou ao coração do povo: “Eu acredito em Portugal, no Portugal de todos, seja qual for a religião, o partido, a actividade económica e a origem social. Todos temos de lutar todos os dias, criando uma melhor compreensão lá fora, na Europa, entre os que vivem neste território físico e os que estão espalhados pelo mundo”. E rematou com uma das frases que mais repetiu na campanha eleitoral: “Aquilo que nos une é mais importante que aquilo que nos separa”.

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