Livre está a “fazer o renascimento” no país da "geringonça"

Congresso do partido aprovou moção que elogia convergência mas a classifica como “limitada”. Rui Tavares defende que deve haver uma “participação activa”, “equivalente no Governo e no Parlamento”.

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Com meia centena de pessoas, o Livre fez o congresso em Setúbal Enric Vives-Rubio

O “balde de água fria” que foi o resultado do Livre nas legislativas de Outubro dificilmente será esquecido, a sala composta do congresso anterior deu lugar a uma sala à beira Sado com um máximo de 50 pessoas, e as “desilusões” que o partido tinha para apanhar já apanhou mas “mantém as ilusões com que começou”. O Livre, que tinha como bandeira a convergência à esquerda, foi ultrpassado pela própria esquerda com os acordos entre PS, BE, PCP e PEV. Mas, ao contrário do Congresso Democrático das Alternativas, aposta no futuro.

O fundador Rui Tavares acredita que o partido ainda tem “muito espaço político para ocupar”, com “paciência e persistência”, e que está agora a “fazer o renascimento” que não pôde fazer quando se formou, já que ainda estava a alinhavar o programa que entregou no Tribunal Constitucional e a preparar as primeiras eleições em que participou – as europeias de 2014.

“Houve partidos que nos roubaram uma parte importante da nossa estratégia política para as legislativas. Mas hoje, olhando para trás, valeu a pena que nos tivessem roubado a nossa melhor ideia”, disse este domingo Rui Tavares aos militantes do Livre durante o V congresso, subordinado ao tema “Democracia em Formação”. Referia-se à geringonça, que teve como mola a proposta de Catarina Martins a António Costa, ainda durante os debates televisivos da campanha.

Tavares quer o Livre a ocupar o espaço da “esquerda da liberdade, das questões sociais, da globalização equitativa”, mas também da “esquerda europeísta e responsável”. E é aqui a que a geringonça falha. Porque, lembra, na campanha PCP e BE defendiam a renegociação da dívida e rejeitavam o Tratado Orçamental, e “acabaram por aceitar um acordo que não inclui nada disto". Estes dois “enormes elefantes que existem na sala” poderão complicar a vida da geringonça. O Livre continua a esperar que a nova maioria parlamentar assuma a rejeição do tratado, “pública e conjuntamente”, como diz a mioção, e defende uma conferência a nível europeu, de devedores e credores, para renegociar as dívidas.

Europeísta, o Livre defende a continuação do Reino Unido na União Europeia e “estranha” que, apesar dos “discursos extremistas” e de antecipação da morte da Europa que se ouvem à esquerda, no BE e PCP “ninguém apele ao brexit”. Tavares critica aqueles que “têm alguma esperança que ali comece o desmantelar da UE”. Sobre os refugiados, deixou ao congresso a sugestão de o partido defender a criação de um passaporte internacional humanitário para evitar o recurso dos migrantes a rotas clandestinas que os levam para a morte.

A geringonça, na sua opinião, falha também na forma. A moção de estratégia geral “Democracia e liberdade: da Europa à nossa cidade”, aprovada por unanimidade no congresso, assinala o facto “inédito” na vida política portuguesa da convergência de toda a esquerda, mas considera que esta é ainda “limitada”. Ao PÚBLICO, Tavares especifica: “Já se quebraram alguns tabus, não vemos porque não serem quebrados outros. É uma convergência limitada, porque não é de Governo. Ficamos contentes com o que há e demos muito para que haja o que há, mas quem é progressista não se fica por aqui. O ideal é no futuro a convergência à esquerda ser equivalente no Governo e no Parlamento.”

Candidatos, precisam-se

O partido tenta reorganizar-se e pensa no desafio autárquico, mas não será fácil. Aberta a fase de candidaturas às primárias para as legislativas dos Açores de Outubro, para as necessárias 71 listas ainda só tem dois nomes, apesar de no arquipélago haver um “grupo dinamizador activo”, diz Paulo Muacho, do grupo de contacto do Livre, usando a imagem do David contra Golias para descrever os desafios do Livre numa região pouco aberta a novos movimentos.

Mas o Livre pensa já também nas autárquicas de 2017 e na inovação da eleição da gestão das áreas metropolitanas, onde vai desenvolver o que chama de “estratégia de geometria variável”. Ou seja, irá adaptar-se à política local de cada município, optando por ter candidaturas próprias, apoiar outros partidos ou movimentos de cidadãos ou então participar em coligações. Mas sempre com a filosofia da convergência, promete Paulo Muacho, que admite também que o partido se concentre mais na eleições para as assembleias municipais e de freguesia, já que é mais fácil eleger um deputado que um vereador.

“Roubada” a bandeira da convergência à esquerda, o partido mantém outras em que vai apostar nos próximos tempos. A moção identifica, por exemplo, a legalização das drogas leves, o enquadramento legal da eutanásia, a regionalização, a fixação de um rendimento básico, a fixação de um rácio máximo de diferença salarial entre gestores e trabalhadores, a defesa do federalismo europeu, a rejeição dos paraísos fiscais. Para mostrar que, tal como afirma a moção, “continua a fazer falta ao sistema político e partidário português um partido de esquerda, libertário, cosmopolita e participativo”. O Livre tem actualmente perto de 500 filiados. 

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