Vamos deixar morrer o comércio de proximidade?

Só em Lisboa fecharam em média 5 lojas por dia em 2013.

Foi com profunda preocupação que vi aprovada, em 2012, a revisão do regime jurídico do Arrendamento Urbano e, em particular, do arrendamento não habitacional sem qualquer participação ou, sequer, audição prévia dos Parceiros Sociais e agentes mais representativos do setor em causa.

O tempo encarregou-se de comprovar que este é um regime desajustado da realidade, incapaz de cumprir os desígnios de “promover um mercado de arrendamento, que, em conjunto com o impulso à reabilitação urbana, possa requalificar e revitalizar as cidades“, a que se propusera. Só podemos esperar uma mudança quando o arrendamento não habitacional tiver uma legislação à parte, pois as empresas vão-se substituindo e os proprietários podem e puderam atualizar as respetivas rendas, bem como as anteriores alterações à lei sempre permitiram atualizações. Não me recordo de alguém alguma vez ter negado a necessidade de atualização da lei. Apenas não deveria ter sido colocada em discussão com o arrendamento habitacional, esse sim que sofreu o congelamento de décadas, de outra forma o que se esperaria era a especulação das rendas. O que de facto aconteceu.

Completados três anos desta reforma os resultados estão à vista de todos: centros urbanos desertificados à medida que encerram muitas das lojas do pequeno comércio de proximidade, incapazes que foram de responder ao aumento exponencial das rendas, a somar ao de tantos outros custos de contexto com que se defrontam desde há longos anos.

A reabilitação e requalificação urbanas constituem uma área de intervenção de grande importância no reavivar das funções das cidades - são o passo imprescindível para que se possa repovoar os centros urbanos, reavivando o comércio tradicional e promovendo com isso a atracção de novos negócios, mais emprego e mais turismo. Se todos concordamos na necessidade de reabilitar as cidades, requalificar os centros urbanos e recuperar os edifícios degradados, tanto para os municípios como para os particulares, parece-me inegável que os divulgados efeitos da "reentrada" no mercado de antigos espaços não habitacionais por força desta reforma está, ainda, muito longe de ser uma realidade. Perante a desadequação, cada vez mais, evidente entre oferta escassa e procura crescente, os valores de arrendamento têm vindo a subir vertiginosamente, atingindo os níveis mais elevados de sempre, o que propicia uma rotatividade das lojas que não me parece que beneficie alguma parte. Nos últimos dois anos, por cada duas lojas inauguradas houve outra que encerrou. Só em Lisboa, por exemplo, fecharam em média 5 lojas por dia em 2013. Mesmo zonas emblemáticas da cidade, como a baixa Pombalina, apresentam índices de descaracterização e encerramento de espaços comerciais absolutamente preocupantes.

O actual Regime do Arrendamento Urbano veio incrementar um certo tipo de reabilitação, virada para o turismo e para a habitação de luxo. A reabilitação tem ficado confinada a certas zonas das cidades associadas a processos de valorização imobiliária especulativos, particularmente evidentes em grandes centros urbanos com crescente potencial de atração turística, como são os casos de Lisboa e Porto. É urgente e necessária uma revisão do Regime de Arrendamento de 2012, já aprovada na generalidade pela Assembleia da Republica, de medidas que funcionem como verdadeiro estímulo à dinamização do mercado de arrendamento e sirvam de dissuasão a mecanismos especulativos que mais não visam do que potenciar despejos, sem resultados efectivos ao nível da reabilitação urbana.

A cada dia que passa mais lojas encerram e em seu lugar surgem as lojas de conveniência, as frutarias e as lojas de brindes,. Se não protegermos o comércio das nossas cidades, em poucos anos veremos desaparecer todas as lojas emblemáticas que as caracterizam, que são a imagem de marca de Lisboa, do Porto, que são os que nos distinguem de Madrid, de Paris, de Londres, são a nossa identidade turística!

Presidente da União de Associações do Comércio e Serviços (UACS)

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