ADSE, a construção de um “saco azul” à custa de beneficiários e prestadores
O único sentido deste modus operandi é o Governo utilizar instrumentalmente a ADSE como uma espécie de “saco azul”.
A ADSE, sistema de saúde de que beneficiam os funcionários públicos, está, recorrentemente, na ordem do dia. Só em finais de abril e princípios de maio foi notícia de destaque por três vezes: duas, porque o Tribunal de Contas (TC) não deu o seu aval às contas referentes aos anos de 2013 e 2014 apresentadas pela Direção; e outra porque o Estado resolveu alterar as comparticipações, sobrecarregando os beneficiários e prejudicando os prestadores.
Em 2014, a ADSE encerrou o seu exercício com um saldo positivo de 215 milhões de euros, o que levou o TC a considerar excessivo o aumento da contribuição dos beneficiários que tinha sido decidido pelo governo de então. A forma como o TC, no seu Relatório de Verificação Interna de Contas de 28 de Abril de 2016, vem criticar o modo pouco cuidado como são apresentadas as contas de 2014 da ADSE, obriga-o a recusar a sua homologação. E reforça a nossa convicção, já anteriormente expressa e que agora se vê confirmada por uma das recomendações ao Sr. ministro da Saúde incluídas nesse relatório, de que o modo de gestão da ADSE deve mudar.
Posteriormente à publicação do relatório, o Governo decidiu alterar os copagamentos feitos pelos beneficiários da ADSE, de modo que, segundo foi noticiado, “a ADSE vai poupar 4 milhões de euros por ano, enquanto os hospitais privados perdem cerca de 5 milhões…”. Ora, de acordo com o relatório do TC, o Estado é devedor à ADSE por parte de diversos serviços, nomeadamente os serviços de saúde das regiões autónomas da Madeira e dos Açores.
Veio dizer o diretor-geral que estes aumentos são necessários para a sustentabilidade da ADSE. Estamos firmemente convictos do contrário. Tal como o aumento da contribuição para os 3,5%, esta medida vai tornar apetecível a subscrição de seguros privados, sobretudo pelos beneficiários com vencimentos mais altos, os que mais contribuem para a sustentabilidade do sistema.
Não faz por isso nenhum sentido que a ADSE, que actualmente não recebe qualquer financiamento do Orçamento do Estado e vive apenas das contribuições dos seus beneficiários, sobrecarregue os copagamentos sem aumentar a sua carteira de serviços. Por outro lado, não faz sentido que o Estado não pague as suas dívidas a uma entidade – a ADSE – que dele não depende do ponto de vista das transferências orçamentais, e que, ainda por cima, lhe imponha, por via do controlo administrativo que erradamente ainda detém, alterações nas regras de funcionamento que prejudicam “os suspeitos do costume”, beneficiários e prestadores.
O único sentido deste modus operandi é o Governo utilizar instrumentalmente a ADSE como uma espécie de “saco azul”: aumenta as suas disponibilidades financeiras à custa de beneficiários e prestadores para que esta possa funcionar sem certos pagamentos do Estado e o Governo possa utilizar o dinheiro equivalente para outros fins.
Uma comissão de peritos está, por nomeação ministerial, encarregada de estudar o futuro da ADSE. Espera-se que tenha em conta todos estes dados e perceba a importância da abertura do sistema a todos os que se queiram inscrever, deixando de ser um benefício dos funcionários públicos e familiares e, também, deixando de haver um poder discricionário de atribuição do estatuto de prestador convencionado. É igualmente fundamental a alteração da forma de governo, com a inclusão, na futura administração, de representantes de quotizados e de prestadores. Estes últimos devem ser eleitos com base no princípio democrático de “um homem, um voto”, por forma a não haver captura pelos grandes grupos económicos da área da saúde.
Médico Estomatologista, presidente da Direcção da APCMG – Associação de Medicina de Proximidade