“Um gestor bem treinado vê-se na capacidade de transformação da sua empresa”

A formação de executivos tem um impacto determinante na capacidade de crescimento de uma empresa, mas há dificuldades de fazer chegar este tipo de oferta aos trabalhadores das pequenas e médias empresas, avisa o académico Jorge Farinha.

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Nelson Garrido

Jorge Farinha, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, abre pistas sobre as novas tendências do mercado de MBA: das academias corporativas ao cruzamento entre educação e tecnologia. E sublinha a capacidade de adaptação de algumas escolas de negócios em Portugal em desenvolver formação “que ajude verdadeiramente as empresas a desenvolverem-se”. Os exemplos são as universidades Católica e Nova de Lisboa e a Porto Business School, “as únicas que estão nos rankings Financial Times”. Um desempenho notável, para este docente, tendo em conta que “Espanha, que tem quatro vezes mais população do que Portugal, tem quatro escolas”.

Quem procura hoje um MBA?
Há que distinguir dois tipos de públicos. Há as pessoas que vão fazer o MBA a tempo inteiro, porque assumem que querem mudar de carreira, e há os que vão fazer um MBA executivo, que vêm geralmente de empresas com alguma dimensão. Estes últimos não abandonam a sua actividade profissional, por norma. Depois há uma percentagem de pessoas em situação de desemprego que também se inscrevem no MBA executivo. Porém, em qualquer dos casos, são pessoas que já têm um benchmark de formação razoável.

Os alunos procuram o MBA numa óptica de especialização ou de aprofundamento de conhecimentos?
Num MBA executivo, são tipicamente pessoas que seguiram uma carreira mais técnica, em qualquer área, que tanto pode ser no Direito ou na Medicina. À medida que a sua carreira vai progredindo, sentem necessidade de ter uma visão estratégica que considere as questões financeiras, de marketing, de gestão de recursos humanos, de liderança. É uma necessidade de quem foi bem-sucedido na sua carreira e agora tem outro tipo de responsabilidades. Num MBA a tempo inteiro, a intenção é fazer uma mudança de carreira e são tipicamente pessoas  mais jovens, que ainda vão a tempo de fazer essa alteração.

Há hoje uma maior procura de formações para executivos?
Tem havido um crescendo, mas não é esmagador. Tem havido uma mudança no próprio mercado da formação de executivos. Por exemplo, há uns anos era muito mais comum haver formações abertas, em que uma empresa propunha aos seus quadros um catálogo de produtos oferecido por uma business school, e as pessoas inscreviam-se. Hoje, as grandes empresas estão cada vez mais a migrar para um modelo diferente, em que são elas próprias que definem a sua academia corporativa. É o que se passa com a Galp ou a EDP, por exemplo, e em muitas outras grandes empresas. Estas são formações de largo espectro e com um rigor bastante elevado. Hoje, o grau de customização das formações é relativamente alto.

Por que aconteceu essa mudança?
Porque as empresas têm cada vez mais a preocupação de medir o retorno desse investimento. Se elas definem as suas necessidades e formatam um programa de acordo com estas, é muito mais fácil monitorizar os resultados e explicar à administração que este investimento valeu a pena. Hoje há maneiras de medir isso. Só para dar um exemplo, a [tecnológica norte-americana] Oracle tem uma medida de retorno de investimento em educação muito curiosa, que é ver o número de pessoas que chegam a vice-presidente de uma parte da empresa entre os que fizeram uma certa formação. Outras empresas fazem de outras formas, mas todas olham para esta progressão e muitas vezes aproveitam este tipo de formações para identificar quem tem mais potencial.

Que tipo de desafio é que a formação mais customizada coloca a uma escola do ensino superior?
Em primeiro lugar, a concorrência tem vindo a aumentar muito. Hoje não são só as escolas de negócios que oferecem este tipo de formações, temos também empresas de recrutamento que começaram a perder mercado com as redes sociais como o LinkedIn e tentam compensar de outras formas. As próprias empresas tecnológicas estão a apostar muito na formação online. Existe um termo, “Edtech”, que significa que cada vez mais há ofertas de educação por via tecnológica. Essa é claramente a área que está a crescer mais em todo o mundo. Curiosamente, esse crescimento não tem retirado espaço às restantes formações on campus, que têm continuado a aumentar. A formação online será um dos instrumentos provavelmente interessantes para as pequenas e médias empresas (PME) poderem apostar gradualmente na possibilidade de fazer formação.

É possível medir o impacto que a formação de um executivo tem na sua empresa?
Para um trabalhador normal, podia usar-se uma medida de produtividade como o número de unidades produzidas, por exemplo, para perceber o aumento de produtividade. Mas o impacto de um gestor bem capacitado vê-se na capacidade de transformação da sua empresa. Uma capacidade de se adaptar às mudanças, de introduzir novos métodos. E isso é difícil quantificar. Ao fim de alguns anos, nota-se a diferença entre quem tem uma formação destas e quem não tem. As pessoas que passam por um MBA, por exemplo, têm muito mais autoconfiança, uma maior capacidade analítica, de pensar os problemas de uma maneira estruturada, de investigar as tendências, e de perceber que o mundo é de grande mudança e que as empresas têm de se preparar para isso.

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"A progressão significa coisas diferentes num MBA executivo — que é uma progressão numa linha de continuidade, de alguém que já assume posições de chefia — ou num MBA a tempo inteiro", explica Jorge Farinha Nelson Garrido

Em termos salariais, qual o impacto de um MBA ou uma formação para executivos para quem faz essa formação?
A Porto Business School tem feito uma análise regular sobre o impacto da formação nas remunerações dos seus alunos. De um modo geral, existe um percurso bastante relevante de promoções e aumentos salariais. Não são instantâneos, mas são muito visíveis quando olhamos para um prazo de cinco a dez anos após a conclusão do curso. Aliás, esse é um dos critérios utilizados pelo Financial Times, que edita rankings internacionais sobre este tipo de formações, para aferir do sucesso dos alunos na área de gestão.

Há pouco dizia que há quem procure os MBA para fazer uma viragem de carreira. É possível perceber o sucesso dessa intenção?
Os alunos deste tipo de programas têm todos um desejo de progressão. Todavia, a progressão significa coisas diferentes num MBA executivo — que é uma progressão numa linha de continuidade, de alguém que já assume posições de chefia — ou num MBA a tempo inteiro. As pessoas de um MBA full-time têm relativamente pouca experiência, em média cinco a seis anos, enquanto num MBA executivo têm 11 ou 12. Com cinco anos vai-se a tempo de se fazer uma inversão dramática de carreira. Uma pessoa pode deixar completamente as engenharias e passar a dedicar-se às finanças, por exemplo.

Também há exemplos de empreendedorismo saído das business schools?
São cada vez mais. Cerca de 10% dos alunos do MBA a tempo inteiro da Porto Business School acabam por ter iniciativas empreendedoras e o número tem vindo a aumentar. Estes programas conseguem despertar em algumas pessoas a coragem e o atrevimento de terem autoconfiança para lançar um novo negócio.

O que é que o MBA dá aos seus alunos? É um conhecimento técnico mais específico ou é algo diferente?
O MBA não tem a profundidade que tem um mestrado, por exemplo. No MBA dá-se uma exposição com diferentes graus de profundidade de todas as áreas mais relevantes, mas a ideia é, sobretudo, transformar a maneira de pensar da pessoa. O aluno tem de perceber a linguagem de gente que vem de outras áreas e ter uma visão de conjunto que faz muita diferença na transformação de uma empresa. Não basta ser muito bom a vender um produto, é necessário saber comunicar bem, saber gerir a equipa, ter uma visão de futuro, e perceber como uma solução tecnológica pode ajudar a resolver o negócio. Isso aprende-se mal num curso muito especializado. Num MBA há essa abrangência, que faz muita diferença.

O que distingue uma business school de uma faculdade de economia tradicional?
Por um lado, é a selecção de docentes. Numa business school só fica quem tiver um desempenho adequado. Ao nível de ensino superior público, as pessoas têm uma carreira e a partir desse momento não vão ser substituídas de certeza absoluta. Podem ser muito bons a investigar, mas não ser muito bons a ensinar nem a trazer apports práticos. Numa business school, há a flexibilidade de usar os melhores docentes da universidade, mas também de outras universidades e muitas vezes do estrangeiro, bem como pessoas dos meios profissionais. E isso é muito difícil de ter em muito do ensino tradicional. Eu diria que os incentivos das escolas de Economia e Gestão em Portugal não estão devidamente direccionados para apoiar esse tecido empresarial.

Em que sentido?
Se as pessoas são recompensadas mais pela quantidade de artigos científicos que produzem do que pelas aptidões pedagógicas, obviamente que estamos a enviesar a capacidade de poder dar um serviço de formação que ajude verdadeiramente as empresas a desenvolverem-se. Apesar de tudo, tem havido algumas escolas de negócios em Portugal que têm conseguido adaptar-se, casos da Nova de Lisboa, da Porto Business School, da Universidade Católica. São as únicas que estão nos rankings Financial Times. Ainda assim, é notável que tenhamos três escolas nesses rankings quando Espanha, que tem quatro vezes mais população do que Portugal, tem quatro escolas. Isto significa que, apesar de todas as dificuldades, há capacidade para desenvolver uma formação de qualidade. Só que é uma formação que apenas chega às grandes empresas.

Isso tem que ver com a estrutura da economia portuguesa?
Ainda temos um problema crítico que tem que ver com o facto de termos 99% de micro, pequenas e médias empresas, o que contrasta com a maior parte dos países da OCDE, que têm 70% a 80% de PME. Temos um universo esmagador de 1,2 milhões de empresas contra 1200 grandes empresas. Desse mais de um milhão de empresas, a média de trabalhadores é três. Se tirarmos as empresas em nome individual, sobe para oito. É evidente que, com empresas desse género em tão grande quantidade, levanta-se um problema de qualificação dos gestores.

Muitas vezes são empresas familiares.
E pequenas, que não têm capacidade de poder pagar a um gestor profissional e trazer qualificações elevadas. Muitas vezes são os próprios fundadores da empresa, que são quase amadores na gestão, que estão à sua frente. Eu não sou contra as PME, mas há um número excessivo delas em relação a qualquer padrão internacional. Se olharmos, no entanto, para os 0,1% das grandes empresas, aí acho que elas estão bem qualificadas. A experiência que temos no âmbito da Universidade do Porto, em relação ao universo empresarial, é que o nível médio das qualificações das grandes empresas é francamente bom.

Estamos a falar de realidades muito distintas.
E esse é que é o nosso grande problema. Não se consegue dissociar o problema da formação dos gestores do problema da estrutura societária portuguesa. As pequenas empresas são muito ineficientes em termos de pessoas. Se as empresas tiverem outra dimensão, têm outra capacidade de qualificar os seus quadros e de criar carreiras apetecíveis. Entre os alunos que passam pela Faculdade de Economia do Porto são muito poucos aqueles que depois da formação vão trabalhar para pequenas empresas, porque as carreiras que se oferecem numa grande empresa são muito mais interessantes. A não ser os casos, que não são numerosos, de pessoas que regressam a uma empresa familiar. E normalmente, quando o fazem, a coisa até corre bem.

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Diz Jorge Farinha: "Não sou contra as PME, mas há um número excessivo delas em relação a qualquer padrão internacional" nelson garrido

Qual a percentagem de alunos do MBA que vêm de PME?
A maior parte vem de empresas já de alguma dimensão. Mesmo quando as pessoas vêm de empresas mais pequenas e fazem um MBA, as suas ambições passam a ser diferentes e preferem seguir carreiras em empresas de maior dimensão. Se regressam a uma pequena empresa, têm dificuldade. Alguém muito capacitado, que tem ideias para transformar aquilo, choca com uma cultura bastante mais conservadora e menos qualificada, muitas vezes de um dono de uma empresa que acha que sempre fez as coisas assim e não quer abdicar de algum do seu poder. Vejo muitas vezes alunos meus extremamente bem qualificados, nomeadamente nos MBA, que quando vão trabalhar para uma pequena empresa encontram uma realidade muito dominada por membros da família, onde ninguém quer dar poder a um externo, prejudicando as empresas, que beneficiariam de outra atitude.

Voltando ao bloqueio de que falava, provocado pelo número de PME na economia nacional, como acha que se resolveria esse problema?
Com coisas tão simples como dar alguns benefícios fiscais para formação na área da gestão. Não seria muito difícil e faria todo o sentido. Isso levaria muitas empresas a pensar de uma outra forma. Acho que alguma acção de divulgação das vantagens de uma formação em gestão seria importante. O que vejo muitas vezes é empresas que procuram a formação como quem pensa a compra de alguma matéria-prima: "Vamos tentar encontrar o preço mais baixo." E esquecem-se de que a formação tem uma qualidade associada. Se trazemos um professor da London Business School, por exemplo, obviamente que isso tem um preço. Acho que era possível dar alguns tipos de apoios especificamente para formação, mas uma formação muito dirigida.

Seria necessário mexer mais na estrutura da economia nacional?
Falta uma política assumida de encorajamento de aumento da dimensão média das empresas, por fusões e aquisições. Já existiu no passado e deixou de haver porque se achava que havia demasiados benefícios fiscais para fusões e concentrações. A dimensão também é crítica para poder também ambicionar programas de formação. Uma PME, por exemplo, com oito pessoas, não pode abdicar de alguém para fazer formação, porque são logo 20% dos seus quadros.

Esse é que continua, portanto, a ser um bloqueio?
Falta às empresas de menor dimensão ganharem alguma escala e terem uma tomada de consciência das potencialidades da formação. Porque provavelmente, na sua mente, acham que conseguem fazer tudo à sua maneira, como sempre fizeram, e não precisam de académicos para nada. Só que hoje os académicos que estão nas escolas de negócios são pessoas muito especiais, que têm uma visão integrada das questões da gestão, que têm uma visão aplicada e que participam, muitas vezes, na administração de algumas empresas ou que prestam consultoria. Não é provavelmente o figurino que algumas pessoas estão à espera de encontrar em escolas de negócios. Há algumas experiências muito interessantes de instituições financeiras que oferecem aos seus clientes programas de formação em escolas de negócios.

Em Portugal?
Sim, algumas instituições financeira trabalham com a Porto Business School. Os seus clientes são muitas vezes PME e, como parte da sua promoção e também de alguma missão que têm, têm vindo a oferecer-lhes formações. Isso muitas vezes é o primeiro passo para poderem ambicionar mais.

Acredita que os gestores das PME podem tomar o gosto por este tipo de formações?
Verifico que as pessoas, quando experimentam uma formação de qualidade, vêem o potencial e depois querem cada vez mais. As pessoas têm o paradigma da formação que tiveram no ensino superior, que é muitas vezes muito teórica, em que os professores estão num pedestal. Numa formação de gestão têm de ser pessoas com mais experiência, têm de ter conhecimentos aprofundados mas também uma dimensão prática.

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