Por um novo impulso europeu

Um pouco mais de humanismo será um bom princípio para um novo impulso europeu.

1. Várias crises nos desafiam. O acolhimento dos refugiados põe a nu a dificuldade da União Europeia para cumprir padrões mínimos de resposta ao drama humanitário, mostrando solidariedade interna e respeitando o direito internacional.

A crise das migrações é agravada pela ausência de uma política comum para regular os fluxos de migrantes, de modo a combater os tráficos de pessoas e as redes clandestinas, prover condições de acolhimento e integração de migrantes regulares e equilibrar as necessidades demográficas dos países europeus com os direitos e expectativas dos que procuram oportunidades de trabalho.

Hoje, o risco de desintegração é representado maximamente pela possibilidade de os britânicos se decidirem pela saída da União. Os elementos de crise residem não apenas nessa possibilidade e nos seus efeitos de dominó, como também nas concessões já feitas ao Reino Unido, que ficaram a um passo de colocar em causa a livre circulação de trabalhadores e a não discriminação por motivos de nacionalidade no acesso a benefícios sociais.

A crise económico-financeira atinge particularmente a Zona Euro. A união económica e monetária continua por completar. A sua contraparte de harmonização fiscal e social demora a entrar na ação política. As regras de estabilidade adicionais aos critérios de Maastricht estão a revelar-se confusas; e a sua aplicação não tem sido uniforme. A insistência em políticas orçamentais pró-cíclicas atrasa a retoma do crescimento, travando o emprego e o rendimento e fazendo aumentar a divergência entre países.

Uma outra crise toca no coração da cidadania. É o afastamento face às instituições e aos valores europeus, que a pulsão nacionalista, o abstencionismo eleitoral, o voto emocional e a adesão a partidos e movimentos antieuropeístas documentam.

E, por último, mas não o menos importante, a Europa vive uma enorme crise de segurança. A consciência de que a ameaça terrorista vem do seu interior pelo menos tanto quanto da sua fronteira externa dá-lhe uma tonalidade ainda mais dramática. E é evidente a complexidade da intervenção securitária no respeito pelo Estado de Direito e com a consciência de que não basta combater o terrorismo, mas também as suas causas sociais e as ideologias e organizações que o difundem ou financiam.  

A estas crises, poder-se-ia acrescentar um sem número de outras dificuldades que também desgastam o projeto europeu, na política da coesão, na gestão de Schengen, na política comum de segurança e defesa, na política comercial e da concorrência, ou na política energética. Por vezes, é o próprio Estado democrático de Direito que se encontra em questão. A rotina institucional e o modo de falar e proceder da burocracia europeia, que às vezes parece um verdadeiro poder de facto na União, só parecem dar razão aos velhos e novos céticos. E a lista poderia prosseguir.

2. Não pretendo ficar pela lamentação. Também temos razões para otimismo. A União Europeia continua a ser um dos centros da economia mundial e a região do mundo que mais longe consegue levar a combinação entre liberdade, cidadania, primado da lei, solidariedade e igualdade social. Se tem enfrentado várias crises ao longo da sua história, soma contudo mais vitórias que derrotas.

Precisamos é de um novo impulso para este grande projeto. E o próximo Conselho Europeu, que ocorrerá logo após o referendo britânico e as eleições espanholas, é o momento certo para afirmá-lo.

Para tal, é necessário ter plena consciência da gravidade das crises que nos atormentam e aqui ficaram sumariadas. Ninguém consegue avançar sem compreender bem o ponto em que se encontra. Não basta menos do que uma revolução coperniciana na construção europeia, trocando o ponto de vista da burocracia, que vem predominando, pelo ponto de vista dos cidadãos, perante os quais somos responsáveis. Ora, o que querem as pessoas? Querem, muito legitimamente, paz e segurança. Querem prosperidade. E querem liberdade. Esses devem ser os referenciais do processo de decisão sobre questões europeias.

As consequências para a agenda política europeia são várias. Mas três delas parecem-me particularmente importantes.

A primeira prioridade da política europeia tem de ser a segurança, entendida da forma democrática e como faz hoje sentido. Não se trata apenas da segurança pública perante as ameaças terroristas (e as suas bases económicas, sociais e ideológicas) e da segurança coletiva perante as incertezas e riscos associados aos desequilíbrios geoestratégicos, à falência de Estados e à progressão das redes de tráficos; mas também e sobretudo da segurança humana, em todos os seus aspetos, aquela que tem a ver com o acesso de todos a recursos básicos e a padrões mínimos de dignidade humana.

A Europa deve reforçar a sua liderança mundial nas áreas em que já se destaca, como a defesa dos direitos humanos, o multilateralismo, o combate às alterações climáticas, a economia verde, a promoção do desenvolvimento sustentável e a cooperação para o desenvolvimento.

E a Europa deve (re)colocar no topo da sua agenda a combinação entre coesão social e convergência económica e orçamental. Só há uma maneira de superar as suspeitas (aliás, legítimas) das pessoas face à globalização assimétrica dos fatores, à desregulação dos mercados e ao império do elemento financeiro sobre o económico e o político. É voltar a pôr o acento tónico na economia real – ou seja, na produção de riqueza e na geração de emprego – e na igualdade social – ou seja, na distribuição das oportunidades, na provisão dos bens públicos e nas redes coletivas de proteção.

Temos, porventura, falado de mais em disciplinar os Estados e tranquilizar os mercados e temos falado de menos em proteger as pessoas e apoiar as comunidades, quando precisávamos de falar de tudo, articuladamente: Estados presentes e contidos e mercados dinâmicos e regulados, para sociedades livres e prósperas. Um pouco mais de humanismo será um bom princípio para um novo impulso europeu.

Ministro dos Negócios Estrangeiros

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