Transmissões de eventos desportivos na “órbita” dos gigantes da Internet

Nos Estados Unidos, o debate em torno de um novo modelo de distribuição está aceso. Jogo da NFL transmitido exclusivamente online, e de forma gratuita, atingiu em Outubro 15 milhões de visualizadores.

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A NFL foi pioneira ao avançar com uma experiência que cativou milhões de interessados em todo o mundo RONALD MARTINEZ/AFP

Depois de uma primeira experiência, em Outubro de 2015, a Liga norte-americana de futebol (NFL) parece mesmo disposta a avançar para o “desconhecido”, perfilando-se lado a lado com os gigantes da Internet, no objectivo de possibilitar a transmissão de eventos desportivos exclusivamente via streaming. Esta está a ser encarada como uma experiência base para um possível novo paradigma no domínio das transmissões.

O ponto de partida foi dado no jogo que opôs os Jacksonville Jaguars e os Buffalo Bills, duas formações do “meio da tabela” da NFL, com o apoio da gigante tecnológica Yahoo. O modus operandi foi aparentemente simples: apenas as regiões de Buffalo e Jacksonville tiveram sinal televisivo para seguir o jogo; para o resto do planeta, a transmissão foi distribuída gratuitamente para todos os utilizadores exclusivamente através do portal Yahoo. De fora do esquema ficaram as tradicionais estações televisivas (quer em sinal aberto, quer em sinal fechado), que nos últimos anos têm monopolizado o mercado das transmissões dos grandes eventos desportivos.

E os números divulgados pela Yahoo acabaram por surpreender. Tendo em conta a dimensão das equipas e o facto de o jogo ter sido realizado em Londres, às 13h30 (9h30 na costa leste dos Estados Unidos), os 15 milhões de visualizadores do jogo anunciados pela gigante tecnológica mais do que legitimam uma discussão sobre o futuro dos modelos de transmissão dos grandes eventos desportivos e a potencialidade de o digital poder alterar um paradigma que vem sendo explorado pelas cadeias televisivas quase ao limite.

Numa altura em que, mesmo a nível nacional, o tema dos direitos televisivos gerou alguma polémica, com os três grandes do futebol português a assinarem acordos “milionários” e a longo prazo com a Nos (Benfica e Sporting) e a Meo (FC Porto), as experiências levadas a cabo do outro lado do Atlântico parecem levantar um pouco o véu sobre um possível novo rumo para as transmissões de eventos desportivos, embora a ruptura com os meios tradicionais, nomeadamente as grandes cadeias de televisão, esteja, aparentemente, ainda longe de poder ser efectuada.

Pelo menos é assim que pensa Sean MacManus, presidente da CBS Sports (subsidiária do canal em sinal aberto CBS) que, numa conferência realizada nesta quarta-feira, em Nova Iorque, se mostrou céptico sobre as perspectivas deste novo modelo. “Não acho que no futuro se vá ver muitos jogos difundidos exclusivamente em plataformas como o Yahoo, Netflix ou a Google. Para já a Internet não me parece uma opção viável, capaz de concorrer com a televisão.” O líder da CBS Sports vê, sim, a possibilidade de transmissões partilhadas entre as estações televisivas e plataformas online. “A boa notícia aqui é que, ao mesmo tempo que difundíamos os nossos conteúdos, eles iriam também ser difundidos na rede, o que resultaria num encaixe extra para nós”, disse, não escondendo que prefere ter a exclusividade das transmissões.

Por seu lado, John Vrooman, especialista em economia desportiva e professor na Universidade de Vanderbilt, vê neste novo modelo grande potencial, ao ponto de, no futuro, se tornar “norma”, apesar de alertar que a revolução do streaming vai levar “muito tempo”.

Isto, porque existem ainda constrangimentos a nível técnico que inviabilizam que o streaming seja uma alternativa realmente competitiva face à transmissão televisiva de alta qualidade. Joseph DePalo, vice-presidente da Limelight Networks, uma das várias redes que ajudaram o Yahoo a transmitir a partida, admite que ainda não há infra-estruturas capazes de o fazer, mas assegura que com o tempo os eventos se irão tornar cada vez mais dependentes da rede.

É também esse “futuro” que Marcos Castro, especialista em marketing desportivo e digital, vê cada vez mais próximo. “É inevitável que o futuro modelo das transmissões de eventos desportivos passe pela Internet por dois motivos: primeiro, porque proporciona aos promotores um alcance muito maior e depois porque possibilita uma monitorização muito mais detalhada de quem consome o produto, o que permite pensar em modelos publicitários muito mais relevantes para os eventos em causa, que vão trazer um retorno consideravelmente maior”, defendeu, em declarações ao PÚBLICO.

Para o marketer, é imperativo que as televisões “comecem a pensar de forma híbrida”, pois a migração para o digital vai, no futuro, ser uma realidade da qual as grandes cadeias de televisão não vão poder alhear-se.

Esta é já, de resto, a realidade para algumas modalidades, que, por terem uma visibilidade menor, encontram na transmissão online o espaço que não têm nas grelhas televisivas, permitindo o acesso a conteúdos de forma livre. Por agora, ainda vão sendo as grandes cadeias de televisão a “mandar” nos principais eventos desportivos, mas, num contexto de permanente evolução tecnológica, esse domínio poderá estar ameaçado pela Internet. 

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