The Booklovers: ele fotografa a “aura” dos escritores

Fernando Dinis gosta de livros e de "catalogar" o mundo. Não é de estranhar, portanto, que no projecto The Booklovers se dedique a coleccionar escritores portugueses. Um dia, ainda gostava de fotografar Miguel Esteves Cardoso e António Lobo Antunes

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Fernando Dinis

Escritores, escritores e escritores. De Rui Zink a Alice Vieira, de João Tordo a Ana Cássia Rebelo. The Booklovers é um projecto fotográfico "vivo", sem um fim à vista, "felizmente". É obra de Fernando Dinis, 39 anos, uma daquelas pessoas que gostam de "catalogar", "inventariar", "coleccionar". Entende-se, portanto, por que se dedica desde 2015 a registar informalmente escritores portugueses — e, quem sabe um dia, editores, paginadores, críticos. Enfim, tudo o que se encaixe no âmbito Booklovers, que seja amante de livros. Natural de Lisboa, Fernando conjuga o trabalho em "full-time" menos criativo com toda à arte à sua volta. É escritor (lançou o romance "A Casa do Esquecimento" que venceu o Prémio Literário Fnac/Teorema de 2008), é músico (está para breve a edição de "Arquivo", álbum de originais em piano) e fotógrafo, área que descobriu, e abraçou, em 2012. Desde aí, como conta ao telefone com o P3, nunca larga a câmara fotográfica e, agora, aponta-a a quem escreve.

Como nasceu o The Booklovers?

Sempre estive ligado à literatura, daí o meu fascínio pelos escritores e pela postura que nós imaginamos que os escritores têm. O objectivo do projecto é não cair no “voyeurismo”, mas tentar perceber quem é a pessoa que está para lá das palavras. É sempre algo que quem está dentro da literatura acha fascinante: se escreve de manhã, à noite, no computador, a caneta. No fundo, registar toda essa magia e essa aura que envolve os escritores. Este projecto fotográfico é uma tentativa de fazer essa captação.

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Fernando Dinis tem 39 anos e vive em Lisboa

O título do projecto vem de uma música dos Divine Comedy (à esquerda). De uma forma curiosa, a letra apresenta uma série de escritores, associando-os a pequenas frases e piadas, algumas delas só compreensíveis por quem está por dentro deste universo. É um pouco como este projecto?

A visão é mesma. A música é boa, vale por si só, mas, para mim, é como se fosse um hino, não só para quem escreve, mas principamente para quem lê. Na canção, depois de ser referido o nome do autor, há uma breve frase, expressão, que revela um pouco da essência da obra do autor. Por exemplo, depois de Franz Kafka ouve-se um grito estridente, o que remete para toda a imagética kafkiana. Já ouvi, inclusivamente, a música com o intuito de conhecer novos autores — tenho um certo gozo em coleccionar nomes, autores, de inventariar. Acho que este projecto começou com a música e da vontade de catalogar. Os fotógrafos andam sempre à procura de novos temas: controlando a técnica, a única coisa que podemos oferecer enquanto fotógrafos é um olhar pessoal. Esta é a minha visão dos escritores.

Há quem diga “never meet your heroes” [nunca conheças os teus heróis]. Nunca te arrependeste?

Nunca. Já tive surpresas. Além disso, há escritores em que nem uma hora consigo estar com eles — é muito pouco tempo para desmistificar os nossos heróis. Quando os fotografo em casa, consigo medir-lhes o pulso, pela forma como dispõem os livros, organizam a secretária, se têm discos ou não. Por exemplo, no caso do Agualusa: há muita vida ali. Há uma grande organização, mas ele usufrui do espaço. Aconteceu o mesmo com o Francisco José Viegas. O Mário de Carvalho foi dos mais simpáticos e foi muito importante no início do projecto porque o nome dele, forte, possibilitou que conseguisse chegar a outros escritores.

Qual é o processo? Como é que escolhes quem fotografas?

É um pouco aleatório. Ainda nem comecei por aqueles que quero mesmo, mesmo fotografar — são mais inalcançáveis, tenho de ter um bom portefólio. Não sendo uma regra, tento sempre fotografar escritores que me digam alguma coisa. No início, pensei em escritores com quem já tinha lidado, como é o caso do Rui Zink, da Raquel Ochoa, do Hugo Gonçalves, e mostrei sempre uma grande seriedade — estamos a falar de tempo, o meu e o das pessoas que são retratadas. À medida que o site foi crescendo, começou a ser mais fácil. Agora já começa a ser bilateral, já tenho escritores que entram em contacto comigo para participarem. Tento sempre fotografá-los num lugar que lhes seja querido ou que transmita confiança. Têm de se sentir à vontade, o tempo é escasso. Aqui, a aliar a um certo “voyeurismo” (risos), tento sempre que seja em casa: a ideia é sempre fotografar o escritor no seu meio. O Mário de Carvalho foi no escritório dele, a Ana Cristina Silva na biblioteca onde dá aulas. Com a Raquel Ochoa, que escreve muito sobre viagens, fiz uma certa encenação com uma mala. Quando não consigo ver o escritor no seu meio de trabalho, tento encontrar uma solução. O Rui Zink, por exemplo, disse-me que gostava muito de ter uma foto à frente da PJ. Estava o mote lançado.

Acompanhas as fotografias das biografias dos escritores e não de outro texto. Porquê?

Comecei a pôr as biografias mais tarde. No início só publicava as fotografias, mas depois parecia que era demasiado fotográfico. Tendo em conta o meu gosto por coleccionar, inventariar, acho que faz sentido pôr a biografia, até porque há autores que não são conhecidos do grande público, como é o caso da Ana Cristina Silva, que tem dez romances editados e ninguém sabe quem é.

Há pouco disseste-me que ainda não tinhas contactado com quem querias “mesmo, mesmo” fotografar. Quem seriam esses escritores?

Aqueles que foram importantes para a minha escrita e formação. Miguel Esteves Cardoso, que eu sei que vai ser difícil, e António Lobo Antunes, que eu sei que vai ser impossível. Mas fica aqui o registo (risos).

Pergunta obrigatória: o que estás a ler?

Esta semana?

Lês um livro por semana?

Sim. Agora estou a ler “O Colosso de Maroussi”, o livro de viagens do Henry Miller. Depois, se calhar vou revisitar a obra do Vergílio Ferreira. Acho que faz todo o sentido, tendo em conta o centésimo aniversário.

E qual é o livro da tua vida? Ou quais são?

Talvez o “Siddhartha” do Hermann Hesse. E quase todos do Milan Kundera e do Franz Kafka.

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