As eleições em que Taiwan joga a sua independência de Pequim

Fazer a paz e deixar-se engolir pela China, ou resistir e apostar numa incógnita – a escolha dos eleitores de Taiwan é difícil.

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A candidata à presidência pelo DPP, Tsai Ing-wen Olivia Harris/reuters

As eleições deste sábado em Taiwan são cruciais para o seu futuro como território soberano e democrático — e poucas vezes este tipo de frases reflecte de facto a realidade. Ao escolherem um novo Presidente e um novo Parlamento, os eleitores vão definir a relação que este território que poucos reconhecem como país independente terá com a China — próxima ou distanciada. Ambas comportam riscos elevados.

De acordo com as sondagens — que em Taiwan são habitualmente muito credíveis —, as eleições vão mudar a paisagem política. Nas presidenciais, deverá vencer a candidata do Partido Progressivo Democrático (DPP, agora na oposição). Nas legislativas, o Kuomintang, que detém a presidência e o Governo, pode perder a maioria — seria a primeira vez na História de Taiwan.

A candidata à presidência pelo DPP é Tsai Ing-wen, uma advogada e ex-funcionária pública que chegou à política (e ao partido) há 11 anos. Está com 45% dos votos, bastante à frente do representante do Kuomintang, Eric Chu (20%), e do candidato do Partido Povo Primeiro, James Soong (10%). Perto de 25% dos eleitores estão indecisos, e os estudos de opinião (muitos realizados pelos organismos públicos) dizem que uma grande fatia de eleitores jovens vai votar pela primeira vez. Um dado pertinente, uma vez que, de acordo com outra sondagem oficial, os jovens se definem como taiwaneses e não como chineses.

Este é um dado essencial para entender estas eleições, que para além de uma luta política, representam uma afirmação de identidade.

Corre, Taiwan, corre

Nos últimos oito anos, o Governo de Taipé apostou numa política pragmática de pacificação com a China. Taiwan nasceu em 1949, quando o general derrotado na guerra civil chinesa, Chiang Kai-shek, partiu com as tropas e os apoiantes nacionalistas para a ilha e ali fundou a República da China (o nome oficial). Chiang não criou um país independente, criou um governo chinês alternativo ao comunista de Pequim, com o objectivo de, um dia, reunificar a China sob a sua liderança.

Os esforços de aproximação do Presidente cessante, Ma Ying-jeou, do Kuomintang (o partido de Chiang Kai-shek), resultaram em mais de 20 acordos, sobretudo comerciais, com Pequim. O culminar deste processo de pacificação foi o encontro histórico de Novembro de 2015 entre os líderes dos dois lados do estreito da Formosa (antigo nome de Taiwan), Ma e Xi Jinping.

É consensual entre os sinólogos que os oito anos da presidência de Ma Ying-jeou foram os mais cordiais entre as duas partes. Mas o encontro foi criticado pela oposição em Taipé, que obrigou o Kuomintang (e Ma) a dar explicações: a reunião, esclareceram, serviu para criar um clima de confiança mútua e paz. Foi também o reconhecimento, por parte de Pequim, de que o compromisso de deixar as coisas como estão (o famoso “statu quo”) ainda é válido. Além disso, Xi Jinping aceitou encontrar-se com o representante de um governo que, oficialmente, Pequim não reconhece.

O partido no poder, porém, não conseguiu transformar nenhum destes argumentos em trunfo político nesta campanha eleitoral.

A política de pacificação e cooperação não agrada a muitos taiwaneses. Por razões de segurança e de identidade. Por um lado, receiam que o caminho político aberto por Ma seja uma rota para a reunificação. Receiam também as relações comerciais impulsionadas por Ma, que são cada vez maiores e podem deixar o tão desejado crescimento da economia da ilha totalmente dependente de Pequim (há analistas que dizem que já é).

Por outro lado, receiam a perda da soberania e o fim da democracia nesta ilha que partilha um passado histórico com a China continental mas que se tornou numa entidade social e cultural radicalmente diferente desta, a começar pelo sistema político.

Escolher Eric Chu, o candidato do Kuomintang à presidência, significa a continuidade do trabalho que Ma começou. Já Tsai Ing-wen (que conhece bem o dossier China, foi a chefe do Comité dos Assuntos do Continente na única vez que o DPP foi governo, minoritário, entre 2000 e 2008) tem uma visão muito diferente e nos discursos de campanha insistiu na defesa da “identidade única de Taiwan”.

Em Dezembro, a candidata disse que, se for eleita, se esforçará por estabelecer laços com a China, mas deixou claro que a questão da independência permanecerá em aberto. Traduzindo: Tsai não parece acreditar na ideia de que só há uma China, parece aceitar o “statu quo”, mas não se comprometeu com o “consenso”, um compromisso de 1992, que Pequim considera inegociável, e que determina que Taiwan não dará qualquer passo para se tornar independente (se isso acontecer, Pequim, que não aceita separatismos, atacará, o que arrastaria os EUA para o conflito devido a um compromisso de defesa com Taipé).

Os especialistas em política chinesa que escrevem na revista “The Diplomat” (de temas asiáticos) dizem que Tsai não se posicionou como defensora de uma política antagonista em relação à China, mas que a sua presidência será uma incógnita. Com quem vai procurar parcerias, de quem se vai aproximar, do Japão? E como reagirá Pequim — que pode fazer danos na economia da ilha — ao resultado desta eleição?

Xi Jinping está numa atitude de ‘esperar para ver’, diz a “Diplomat”, mas dificilmente aceitará pacificamente uma nova fuga de Taiwan.

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