Gonçalo Alexandre: “A minha geração não é levada a sério”

Revista estrangeira seleccionou o trabalho fotográfico de Gonçalo para integrar uma curta lista de talento internacional com menos de 20 anos. Os retratos dele querem dar palco aos "teens": “Nós existimos e temos direito de sermos ouvidos”

Gonçalo Alexandre
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Gonçalo Alexandre
Marco Duarte
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Marco Duarte

A vontade de construir um mundo mais justo esteve sempre com ele. Talvez por isso, ainda criança e durante muitos anos, declarava em modo inabalável que um dia seria juiz e defenderia “causas”. O desejo não oscilou — mas o meio para lá chegar sim. Aos 17 anos, Gonçalo Alexandre é estudante de fotografia e bate-se pela sua geração. Os retratos que colecciona quase diariamente querem ser o rosto e a voz de quem é injustiçado vezes a mais e ouvido vezes a menos. “A minha geração não é levada a sério”, lamenta. Há dias, a revista i-D, pertencente à Vice, seleccionou o trabalho dele para integrar uma curta lista de talento internacional com menos de 20 anos. O que quer — e o que pode dar — a geração de Gonçalo?

A mágoa não é de hoje. Desde cedo, com a dupla condição de jovem e português inscrita no BI, Gonçalo Alexandre foi sentindo que o trabalho dele “não era muito tido em conta”. Como se tudo o que os adolescentes fazem não passasse de um “hobby”, como se os sentimentos e pensamentos deles fossem todos efémeros ou insignificantes. Esta “marginalização” decidiu combatê-la ao som do obturador. A maior parte da colecção fotográfica deste estudante da Escola Artística Soares dos Reis, no Porto, é construída com “teens”: são retratos de uma geração feitos para todas as gerações e com uma mensagem em tom de protesto: “Nós existimos e temos direito de sermos ouvidos.”

O mundo à escala deles — como o dos adultos — é também um lugar cheio de pontos de interrogação e, às vezes, pensar no futuro dá medo. “É extremamente difícil ser jovem numa crise financeira”, diz Gonçalo, ar frágil e discurso oposto. Notícias de desemprego, emigração forçada, amigos e pais a passarem por dificuldades: “Tudo isto cria em nós uma gigante pressão." Num contexto serpenteado, o que se espera é que estejam sempre dispostos a mais — e isso pode ser um ciclo sem fim: “Havendo falta de emprego, espera-se que nós invistamos constantemente mais e estudemos mais e trabalhemos mais, às vezes sem sermos pagos. E não havendo cá emprego temos de ir estudar e trabalhar para fora...”

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Esta foi uma das fotografias seleccionadas pela revista i-D para um trabalho sobre jovens talentos Gonçalo Alexandre

Ironicamente, considera Gonçalo, à chamada geração Z, tudo se exige e pouco se dá. O trabalho-missão dele é, por isso, dar aos nascidos depois de 1995 o que a sociedade não lhes concede: “Espaço para mostrar os nossos pontos de vista, o nosso olhar, a forma como vemos as coisas”, enumera. A neblina no lugar do futuro é algo profundamente marcante para estes jovens: “Construímos um CV muito vasto e queremos muito trabalhar. Mas também queremos poder viver desse trabalho e sermos valorizados por ele. A dificuldade em conseguir isso é algo que mexe muito connosco.”

Quase diariamente, o estudante de Comunicação Audiovisual sai à rua de máquina analógica e iPhone na mochila (o digital reserva-o para trabalhos em estúdio) e vai compondo um painel de retratos online. Fotografa amigos mas também desconhecidos com quem se cruza (espreita a fotogaleria). “A fotografia faz-me estar sempre a procurar, faz-me olhar de forma diferente, é um meio de conhecimento, uma forma de estar atento, de me ligar a outras pessoas.”

Esse vínculo estabelecido — baseado numa relação “completamente genuína” — é provavelmente a parte mais enriquecedora. “É um processo que me ajuda a encontrar beleza. Mas não um bonito baseado em qualquer espécie de estereótipo”, sublinha. Palavras de quem quer fazer do mundo da moda palco principal de trabalho e deverá apostar no próximo ano lectivo numa licenciatura em Comunicação e Promoção de Moda, no Reino Unido. A missão passa por recuperar um lado “mais documental” desta indústria e dar-lhe uma nova valência: “Quero que o meu trabalho tenha um impacto social, passe uma mensagem e fale sobre a minha geração.”

Por estes dias, Gonçalo Alexandre anda nas nuvens. A notícia da distinção da i-D, recebida por e-mail, ainda lhe parece “spam” a chegar à caixa de correio. O jovem de 17 anos acompanha o trabalho desta publicação “de forma obsessiva” há muito tempo. Quando o site começou a ter uma fervorosa presença nas redes sociais, Gonçalo animou-se: em tom de brincadeira, enviava-lhes pedidos de contratação via “Twitter” e, há uns meses, descobriu um e-mail da redacção e pediu que perdessem só uns minutos a ver o trabalho dele. Eles “perderam” mais do que isso. Meses depois, decidiram contactá-lo. “Foi muito importante porque revejo-me muito no que eles fazem”, disse ao P3.

No próximo ano, Gonçalo deverá rumar a Londres. Mas esse passo, garante, não é um virar de costas ao país de origem: “Acredito muito em Portugal e não vou para fora por achar que o meu país não tem estofo para aquilo que quero. Vou fazer um curso que não existe aqui para depois trazer mais para Portugal.” Na mala, leva o “peso” de deixar a família num país onde há mais duvidas do que certezas sobre o futuro. Mas também um desejo de, na volta, encontrar um tempo novo onde o “investimento na educação” seja uma prioridade e onde caibam todos, geração Z incluída.

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