Produção relevante de gás em Moçambique é "altamente improvável" antes de 2025

Atrasos regulatórios e excesso de oferta vão ditar atrasos na produção e exportação de gás em Moçambique, um dos mercados prioritários para a Galp.

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A produção de gás na costa de Moçambique pode ser afectada pelo Estado das finanaças públicas do país, diz a EIU REUTERS/Amir Cohen

A Economist Intelligence Unit (EIU) considera que a produção significativa de gás em Moçambique antes de meados da próxima década é "altamente improvável" devido às dificuldades do país e às condições do mercado.

Numa análise ao mercado do gás natural em Moçambique, e na Tanzânia, com o título "Choque de Realidade", e a que a Lusa teve acesso, os peritos da unidade de análise da revista britânica The Economist afirmam que "com o mercado completamente abastecido até meados da década de 2020, parece ser improvável que o gás da África Oriental entre no mercado em quantidades significativas até lá".

O Governo e as empresas petrolíferas presentes na região – entre elas a portuguesa Galp Energia –  esperam começar a exportar gás em grandes quantidades a partir de 2020 e 2021, o que contrasta com a visão da EIU, que aponta para 2025 como o ano em que a exportação de gás será feita em quantidades significativas para responder às expectativas da população.

Assim, dizem, "o gás natural não deverá transformar as perspectivas de curto prazo destes países", até porque "o excesso de oferta e a crescente competição no mercado global de gás, bem como as dificuldades regulatórias internas e as enormemente desadequadas infra-estruturas, levantaram uma incerteza significativa sobre o futuro do gás nesta região".

Admitindo que "a África Oriental tem o potencial para ser um player globalmente importante na exportação de gás da região, com reservas de 100 biliões de pés cúbicos na costa de Moçambique e 55 biliões na da Tanzânia", os peritos dizem esperar "que os projectos de gás na região continuem a andar para a frente, mas uma produção com nível significativo antes do final da década é agora altamente improvável".

No relatório que compara os dois países e identifica quatro fraquezas comuns - constrangimentos comerciais, financeiros, técnicos e regulatórios -, os peritos exemplificam que a italiana ENI (de que é parceira a Galp, num projecto em águas ultraprofundas da bacia de Rovuma), que será a empresa com o primeiro projecto em pleno funcionamento, "mesmo que consiga apresentar uma Decisão Final de Investimento em 2016, conforme planeado, a produção antes da década de 2020 continua improvável, dadas as dificuldades contínuas no sector da regulação em Moçambique".

Os projectos em terra, acrescentam, "continuam sujeitos a uma incerteza ainda maior", porque mesmo que as dificuldades técnicas e regulatórias consigam ser ultrapassadas, ainda que com algum atraso, "é improvável que o gás da África Oriental seja exportado em quantidades significativas antes de meados de 2020, porque o mercado já está completamente abastecido até lá".

Apesar de algumas empresas, como a ENI e a Anadarko, já terem assegurado contratos de venda de gás a partir de 2020 e 2021, nomeadamente com clientes asiáticos, "negociar contratos com compradores prospectivos vai ser difícil num ambiente cada vez mais competitivo".

Preços vão descer
No início da próxima década, "o mercado global de gás natural liquefeito [LNG, na sigla em inglês] vai estar com excesso de oferta, com a Austrália e os Estados Unidos a começarem uma produção significativa nos próximos anos, e neste contexto, o trunfo vai estar firmemente do lado dos consumidores, ao passo que a crescente competição entre os fornecedores vai inevitavelmente fazer os preços descer".

Há, no entanto, vantagens estratégicas, nomeadamente geográficas, dada a proximidade da África Oriental com os clientes asiáticos, mas isso pode esfumar-se se existirem "impostos e 'royalties' elevadas, bem como atrasos potenciais na chegada do gás ao mercado", acrescenta o relatório.
Do ponto de vista financeiro, as dificuldades não são menores: "a simples escala do financiamento necessário aumenta a complexidade e o risco de atrasos", dado que se tratam de investimentos de muitos milhões de dólares até iniciar a exploração.

"Os projetos em terra devem custar cerca de 16 mil milhões de dólares (15 mil milhões de euros), o que é equivalente a mais de metade do PIB da Tanzânia", diz a EIU, salientando que em Moçambique o investimento de 6 mil milhões de dólares é "o maior investimento de sempre" no país.

Os problemas financeiros, dizem os analistas, são "particularmente pronunciados em Moçambique, onde o Governo quer estar mais envolvido", nomeadamente através da participação da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, com uma participação de 10 a 15% em cada consórcio, "o que aumenta a perceção do risco para os investidores por causa do estado periclitante das finanças públicas moçambicanas".

A isto junta-se a obrigatoriedade de o Governo aprovar qualquer renegociação das condições financeiras, o que, "apesar de não se prever que as autoridades desempenhem um papel activo, pode ser uma preocupação para os envolvidos, principalmente porque terão de ter a aprovação do Governo para todas as potenciais renegociações durante os 20 ou 30 anos de vida do projecto", acrescenta a EIU. A isto somam-se os problemas técnicos e regulatórios.

"A liquefação de gás é um projeto excecionalmente complexo, dada a escala, mas na África Oriental esta complexidade é exacerbada pelo facto de os projetos serem lançados em localizações remotas e pelas infraestruturas, que são incrivelmente desadequadas", diz a EIU, referindo-se à necessidade de construir tudo, desde as estradas ao alojamento dos trabalhadores, passando pelas ligações elétricas e pelas estruturas básicas de saneamento, e terminando na falta de mão-de-obra qualificada para estes projetos.

E depois, refere a Economist, "as perspetivas para o gás vão ser em última análise decididas pela política". Assim, "mesmo que os promotores dos projectos consigam assegurar compradores, encontrar investimento e construir os seus projectos, as perspectivas para o gás africano vão depender dos governos anfitriões".

Se "Moçambique estava inicialmente mais avançado que a Tanzânia na corrida para ser o primeiro grande exportador de gás na África Oriental, devido à rápida decisão do Governo de avançar com o quadro regulatório em 2013-2014, o letárgico ritmo de aprovação de decisões tem vindo a abrandar os progressos", diz a EIU.

 

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