Não havia necessidade...

Não era preciso refazer O Segredo dos Seus Olhos nos EUA, mas já que se fez antes assim: trabalho limpo, mas desnecessário.

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Raras vezes a ideia de uma remake terá parecido tão inconsequente como esta: pegar em O Segredo dos Seus Olhos, o filme do argentino Juan José Campanella que ganhou o Óscar de filme estrangeiro em 2010, para o refazer ao “gosto de Hollywood”. Dá vontade de citar o Diácono Remédios e o seu “não havia necessidade”. E, de facto, não havia: o original era perfeitamente civilizado e não precisava nada de ser refeito. Felizmente, o que o muito estimável Billy Ray (realizador de Quebra de Confiança e argumentista de Capitão Phillips) fez é trabalho limpo, sério e digno, e sobretudo inteligente no modo como traduz para a realidade americana a dimensão política da trama original sem a trair. A deriva militarista dos anos 1970 subjacente ao filme argentino transforma-se aqui nas feridas abertas deixadas pelo 11 de Setembro; o caso que fica durante 13 anos a trabalhar na cabeça de Ray Kasten (Chiwetel Ejiofor), antigo polícia tornado chefe de segurança privado, ficou por resolver devido à paranóia securitária americana na sequência da queda das Torres Gémeas.

É a melhor e a mais conseguida alteração que o realizador/argumentista faz ao original, porque, no processo de tradução e adaptação, Ray reduz o entrelaçamento de ideias e géneros que fazia a graça do filme de Campanella basicamente à vertente de thriller pensativo sobre as ramificações sujas do poder. Ejiofor é excelente no herói desencantado, mas a química com Nicole Kidman é inexistente, e a actriz confunde demasiadas vezes frieza com rigidez; a dimensão social do romance platónico é sugerida elegantemente, mas as intimações de film noir estão completamente ausentes. E, felizmente, Ray resiste à tentação de “repetir” tal-qual o tour de force da cena do estádio. O Segredo dos Seus Olhos resume-se assim a um policial seguro e bem montado, sem outra ambição que não seja a de propor uma outra leitura de um original que não precisava dela para nada.

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