Os Pista a bambolear por aí

O trio barreirense que tem cativado pelo frenesim dos concertos cruza ginga africana com guitarras a "cantar" melodias para nosso prazer. Bamboleio, o álbum de estreia, não podia ter título mais apropriado. Será apresentado esta sexta em Lisboa e sábado no Porto.

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Vera Marmelo

Começou como piada, mas a piada tornou-se séria e seriamente divertida. No final do primeiro concerto, o baterista Bruno Afonso e o guitarrista Cláudio Fernandes ouviram os elogios de um amigo, Rui Dâmaso, um dos homens por trás do OutFest, festival de música exploratória do Barreiro. “Isto é mesmo música para andar de bicicleta”, exclamou. Falou-lhes depois de um novo género que eles não sabiam ter criado, o pedalcore (ou bike rock). O termo ficou e Bruno Afonso e Cláudio Fernandes acharam muito bem: “Utilizamos muito a bicicleta e achámos que seria interessante fazer música inspirada nelas, ou seja, na velocidade, no movimento”. Estávamos em 2013 e estávamos prestes a descobrir os Pista, banda de guitarras que cantam festa comunitária (estão todos convidados) e que gingam balanço tropical para prazer de todos (a imobilidade não é uma opção).

Agora estamos em 2015 e os Pista já não são só Cláudio Fernandes e Bruno Afonso. No percurso, que os foi tornando uma banda a gerar curiosidade crescente, culpa do frenesim feliz dos concertos, culpa do single Puxa, microfenómeno  editado no final de 2014 (“vem das bicicletas, do ‘puxa!’ com que se incentiva a subida, a escalada”), os Pista tornaram-se três com a chegada de um segundo guitarrista, Ernesto Vitali. A música, maioritariamente instrumental, ganhou nova dinâmica: afinou-se o diálogo entre as guitarras, aprimorou-se o balanço com a sucessão de concertos e os Pista transformaram-se naquilo que ouvimos no álbum de estreia com título adequadíssimo que agora nos chega às mãos. Bamboleio. Será apresentado esta sexta-feira no Musicbox, em Lisboa (23h, 10 euros), e sábado no Maus Hábitos, no Porto (22h30, 3 euros).

Pista começou a nascer longe de Portugal, lá a norte, em Londres, onde viviam Cláudio Fernandes e Bruno Afonso. Nos intervalos de afazeres de outras bandas, metiam-se em estúdio, sem compromisso, só para matar saudades. Primeira palavra de ordem: “jarda”, ou seja, barulho rock’n’roll, explicam numa esplanada ribeirinha lisboeta agraciada pelo sol do Verão de São Martinho. Não demorou, porém, até que a “jarda” se transformasse noutra coisa. “Em Londres surge a Primeira [do EP de estreia homónimo] e surge a Pista [da mesma edição] que vai buscar a parte mais melódica, vocal, da guitarra e que tem um refrão que é, basicamente, as notas de um vira”, recorda Cláudia Fernandes. “E depois caímos na ginga, nesse lado africano como que por acaso”. Andavam a ouvir o afro-beat de Fela Kuti, entusiasmavam-se enquanto ouvintes com a riqueza daquela dinâmica e a epifania chegou em forma de pergunta: “‘E se fizermos um ritmo quebrado?’”. Fizeram. Os Pista, os do pedalcore, os desta feliz confluência de sons e estéticas musicais que se revelam em “Bamboleio” estavam a caminho – chegaria entretanto Ernesto Vitali e todas as peças se reuniam por fim.

Isto que é o som dos Pista é um ovo de Colombo. É certo que existe, por exemplo, o rockuduro dos sempre óptimos Throe & The Shine gravitando nas proximidades, mas como é que ninguém se lembrou disto antes? Temos as guitarras que cintilam com estridência controlada, tudo a favor do fervilhar rítmico que a bateria, pé no bombo e ritmo quebrado, acentua. Aqui e ali, coros ou cantoria que pedem que nos juntemos à banda, que sejamos um com a banda. Os Pista são festa comunal, são criação muito do nosso tempo. Bruno Afonso fala, como já dissemos, de Fela Kuti e da porta que Fela lhe abriu para o universo da música africana. Cláudio Fernandes acrescenta: “a minha cabeça vai buscar coisas que ouvia lá em casa, a música popularucha que os meus pais ouviam em cassete e que, quer queira, quer não, ficarão comigo para sempre” – e depois aponta que “se tocares o Morena morenita do Marco Paulo numa vertente mais rock, podia ser uma canção de Pista”. Não se tente, porém, descobrir os Pista numa possível intersecção entre Fela Kuti e Morena morenita.

A intuição comanda a acção
Bamboleio foi gravado em isolamento no Alvito, no estúdio alentejano de Luís Nunes (ou seja, Benjamin, ex-Walter Benjamin, autor recente desse belíssimo álbum intitulado Auto Rádio). Quiseram aproveitar o seu reconhecido talento de produtor e, dado que nem o dinheiro nem o tempo abundavam, eliminar o máximo de distracções possível. “Dali só saíamos para ir ao tasco beber um vinho, ir ao supermercado um par de vezes. Quanto ao resto, respirávamos aquela tranquilidade”, conta Ernesto Vitali. Gravadas na sua maioria ao vivo no estúdio, as dez canções de Bamboleio não reflectem essa paz de espírito. Esta música, sorriso feliz no rosto, é música agitada. E tão melhor quanto menos procura uma alegria redondinha, certinha – como se ouve, curiosamente, no novo single, Sal mão.

A agitação dos Pista torna-se verdadeiramente contagiante quando se evidencia a natureza híbrida da sua música: quando sobre o ritmo incessante caem guitarras com a luz tremeluzente da de Tom Verlaine nos Television ou com o tique nervoso das dos Feelies; quando o kraut-rock avança autobahn dentro nos dez minutos da Queráute que encerra Bamboleio. “É quase intuitivo”, comentará Bruno Afonso, antes de acrescentar, “eu sempre tive problemas com rótulos”. Nesse momento, Cláudio Fernandes faz a adenda fulcral: “Nós não temos sequer noção do que estamos a fazer”. Para ele, nas questões da música, tudo é muito simples. “Há música de que gosto e música de que não gosto tanto”.

Os Pista são, portanto, ele e dois companheiros a descobrirem música de que gostam. E é impossível não gostar de Bamboleio e da festa que proporciona. Esperem para ver. Na apresentação do álbum no Musicbox, os Pista estarão longe de sozinhos. Ao longo da noite, irão juntar-se-lhes em palco os Bro-X, Nick Nicotine, Ricardo Martins, Alex D’Alva Teixeira, Fast Eddie Nelson, Jibóia ou Dirty Coal Train. Ou seja, “pessoas com quem temos pontos em comum, amigos de longa e curta data, pessoal poster da cena do Barreiro”. Todos juntos como pede a música de Pista. Nunca esquecer: no bambolear é que está a ganho. O rock’n’roll faz o resto.

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