Macau é "uma bomba" e crise do jogo pode fazê-la explodir

Investigador da Universidade de Macau considera que depois da liberalização do jogo o fosso salarial aumentou no território.

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Macau tem sido uma cidade pacífica, com poucos protestos e uma resposta moderada da sociedade civil, diz investigador Nelson Garrido

O investigador da Universidade de Macau Newman Lam considerou, neste sábado, que Macau é uma "bomba" que pode rebentar na sequência da queda de receitas dos casinos. Lam, que falava na Conferência Anual da Associação de Ciência Política de Hong Kong, defendeu que Macau está à beira de uma crise, mas sustentou que isso pode não ser mau.

O investigador traçou um cenário de descontentamento crescente e de quebra da legitimidade do Governo de Macau que, juntamente com a descida das receitas dos casinos - principal fonte de receita pública e sector em que assenta a economia da região - pode pressionar a população a agir. Lam apontou números do Programa de Opinião Pública de Hong Kong, relativos a 2014, segundo os quais a satisfação da população de Macau em relação ao desenvolvimento democrático atingiu 26,5% em 2014, o valor mais baixo desde que os dados começaram a ser recolhidos.Também a confiança na fórmula chinesa "um país, dois sistemas" atingiu os seus mínimos: 69,6%. E apenas 37,6% disseram no ano passado estar satisfeitos com a protecção dos direitos humanos e 56,2% aprovaram o trabalho do chefe do Executivo, segundo o mesmo inquérito.

"Qual é o motivo para a descida da confiança? Depois da liberalização do jogo, o fosso salarial aumentou, os ricos ficaram mais ricos, os pobres mais pobres. Os preços do imobiliário subiram a pique, 28,2% da mão-de-obra é importada, o Governo não consegue resolver o problema do trânsito. Macau está cheia, já nem queremos ir até ao Senado, são demasiados turistas", resumiu. O investigador chamou também a atenção para o surgimento de novos "grupos críticos" além da Associação Novo Macau, como a Juventude Dinâmica e a Macau Civic Power, que, apesar de "poucos e pouco efectivos", são "um sinal do que vem aí".

Ainda assim, sublinhou que Macau tem sido uma cidade pacífica, com poucos protestos e uma resposta moderada da sociedade civil. Mas a "crise do jogo" pode vir a acabar com este cenário: "As pessoas de Macau põem muita ênfase na harmonia. Não as temos visto agir como em Hong Kong. O que as pessoas pensam e o que manifestam são coisas diferentes, elas inibem-se. A harmonia é uma coisa boa, mas pode tornar-se uma bomba", afirmou. O académico acredita que há um sentimento de saturação que, aliado a uma juventude "mais informada e que não aceita com tanta facilidade as decisões da autoridade", pode fazer tremer a estabilidade social.

O professor deu o exemplo da associação de estudantes de Macau que, "quando se assinalou o fim da guerra, com uma enorme parada pela vitória [da China] contra o Japão", disse que a data deveria ser lembrada com flores, discursos e visitas aos túmulos dos que morreram. "Nunca vi nada assim acontecer na associação de estudantes. Acho que é um sinal claro que estamos a olhar para uma geração com uma mente independente, que não aceita apenas o que lhe dão, que pensa e que talvez até se atreva a falar", acrescentou. Lam prevê também consequências para os bolsos dos residentes de Macau em 2016, antecipando o fim dos cheques anuais à população, cortes no orçamento e despedimentos nos casinos.

"Não acreditem nos jornais que dizem que estamos no caminho da recuperação, os jornais são controlados pelo Governo. Não vejo a China a amenizar a política anticorrupção e, por isso, a recuperação de Macau não vai acontecer", alertou. O que Macau precisa, defendeu, é de uma reforma económica, que reduza a dependência do jogo e, acima de tudo, garanta acesso à habitação: "Acho que esta crise vai pressionar o Governo e isso pode ser uma coisa boa. Quando as pessoas se aperceberem que há uma bomba prestes a rebentar, talvez façam alguma coisa para a impedir de explodir".

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