Constitucional chumbou a prova de avaliação de professores

Fenprof diz que "a PACC morreu". Ministério da Educação garante que os seus serviços jurídicos "encontram-se já a estudar possíveis soluções para sanar esta questão". E diz que a prova é para manter.

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Protestos de professores nas galerias da Assembleia da República em Dezembro de 2013 ENRIC VIVES-RUBIO

O Tribunal Constitucional divulgou ao início da tarde desta sexta-feira o acórdão sobre a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) dos docentes  — prova obrigatória para os que têm menos de cinco anos de serviço e queiram candidatar-se a dar aulas. Apesar de admitir o “interesse público” da mesma, considera-a inconstitucional porque a sua criação não passou pela Assembleia da República. O ministro da Educação diz, ainda assim, que a prova é para manter.

No acórdão, assinado pelos juízes Pedro Machete, Fernando Vaz Ventura, João Cura Mariano, Ana Guerra Martins e Joaquim de Sousa Ribeiro, o tribunal “julga inconstitucional” a norma do Estatuto da Carreira Docente (ECD), “que exige como condição necessária da qualificação como pessoal docente a aprovação em prova de avaliação de conhecimentos e capacidades”.

Em causa está também a norma que estabelece que a aprovação na PACC é, para todos os docentes que não integram o quadros do Estado, requisito essencial de admissão a qualquer concurso de selecção e recrutamento de pessoal.

O tribunal entende que o Governo não tinha “base competencial” para aprovar as normas relacionadas com a PACC, tanto mais que ela interfere com o “direito de acesso à função pública”. A exigência de uma prova destas só poderia, assim, “ter sido aprovada pelo Governo no exercício da sua competência legislativa autorizada” pela Assembleia da República, defende.

Lê-se ainda na argumentação dos juízes: “Se nenhuma disposição da Lei de Bases do Sistema Educativo é contrariada pela instituição de uma tal prova, também nenhuma delas a fundamenta directamente ou prefigura. Nesta perspectiva, a instituição da prova de avaliação pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro — e confirmada pelos subsequentes decretos-leis que introduziram modificações na sua conformação e no seu âmbito de aplicação — não corresponde a qualquer desenvolvimento de algo que exista na citada Lei de Bases.”

No início deste ano, na sequência de uma acção da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) — que sempre insistiu que esta prova era inconstitucional e estava a ser exigida a professores que “reuniam todas as exigências legais para exercer a profissão”, muitos dos quais tinham já visto o seu desempenho avaliado —, o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra considerava que as alterações introduzidas em 2007 violavam o princípio da confiança jurídica. Isto por “não considerarem as legítimas expectativas de ingresso na carreira docente”. Tanto o ministério de Nuno Crato como o Ministério Público interpuseram recurso junto do Tribunal Constitucional. Que agora julgou o caso.

Revelando-se surpreendido com a decisão do Constitucional, o ministro da Educação e Ciência resumiu a questão deste modo, nesta sexta-feira: “O que se percebe da decisão do Tribunal Constitucional é que há oito anos houve um erro.”

A existência de uma prova de acesso à profissão docente está prevista no ECD desde 2007, era primeiro-ministro José Sócrates. E na forma como foi aprovado esse diploma reside “o pecado original” nas palavras do ministro, em declarações aos jornalistas, em Lisboa.

“A PACC morreu”
A notícia já tinha sido avançada de manhã, pela Fenprof, que anunciou, em comunicado, ter recebido o acórdão do Tribunal Constitucional. “A PACC morreu”, declarou.

Esta tarde, em conferência de imprensa, em Coimbra, o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira sublinhou: “A PACC é inconstitucional desde o momento em que foi criada, em 2007, pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues.” E anunciou que os gabinetes jurídicos dos sindicatos da Fenprof “estão já a organizar-se para apoiar todos os professores afastados dos concursos e das colocações em vagas de escolas e agrupamentos”.

A Fenprof quer saber “quando e de que forma” o ministro da Educação vai devolver “o dinheiro que os professores pagaram para se submeterem a uma prova que é inconstitucional e não tem validade nenhuma”. Esta matéria não pode ficar para o ministro que vier a seguir, “porque ele não teve nada a ver com isto, seja ele quem for, não foi ele” quem criou a PACC, defendeu Mário Nogueira, citado pela Lusa. Nas contas da Fenprof, os professores que se submeteram à prova tiveram de pagar, globalmente, pelas respectivas inscrições, “mais de 1,5 milhões de euros”.

O Ministério da Educação reagiu pouco depois, pelas 16h30, em comunicado. “Para o Tribunal Constitucional, não existe qualquer inconstitucionalidade material conforme foi alegado pelos sindicatos, nomeadamente nas 27 providências cautelares intentadas contra o Ministério da Educação e Ciência”, lê-se.

Os próprios juízes falam do interesse público da prova, lembra Nuno Crato: “A defesa que dela foi feita por três Governos Constitucionais que exerceram funções em três distintas legislaturas corrobora a respectiva importância” — é uma das frases do acórdão citadas pelo ministro. “Existem razões de interesse público que suportam a exigência da prova de avaliação, as quais, por visarem o reforço da qualidade do ensino ministrado no âmbito do sistema de ensino público, não podem ser estranhas aos valores constitucionais”, é outra frase do acórdão sublinhada pelo governante.

No entanto, acrescenta, “apesar do reconhecimento da legalidade substancial da prova, o Tribunal Constitucional, por iniciativa própria, decidiu-se pela verificação de uma inconstitucionalidade orgânica no Decreto-Lei n.º 15/2007”, o tal que criou a prova de avaliação. “Entendeu que as normas que consagraram a prova dos professores eram matéria da competência relativa da Assembleia da República” e, por isso, “os serviços jurídicos do Ministério da Educação e Ciência encontram-se já a estudar possíveis soluções para sanar esta questão, que naturalmente terá de ser sanada em sede parlamentar”, explicou Crato.

“Vamos manter a prova”
As perguntas dos jornalistas sobre como serão ressarcidos os professores que ficaram sem dar aulas por causa da prova ficaram sem resposta: “É essencial que esta prova seja realizada, porque é essencial defender os interesses dos alunos. Vamos manter a prova e isso naturalmente terá que ser feito no quadro da Assembleia da República”, limitou-se a afirmar o ministro.

Questionado também sobre se acredita numa aprovação no Parlamento de um diploma que legitime a PACC— o PS prometeu rever o processo de recrutamento de educadores e professores, suspendendo a realização da PACC — disse: “Não quero acreditar que os três partidos que defenderam esta prova, o partido que a instituiu em 2007, e os dois partidos que a levaram à prática, em 2013 e 2014, não consigam um entendimento para ultrapassar este problema.”

A PACC causou polémica desde 2007 — inicialmente era exigida como condição de admissão aos concursos para lugar de ingresso na carreira docente, só em 2009 passou a ser exigida em concursos para satisfação de necessidades temporárias por contratados, como lembra o acórdão do tribunal.

Mas foi Nuno Crato quem, pela primiera vez, tentou aplicá-la, em 2013, a todos os docentes que não tivessem vínculo com o Estado e que pretendessem concorrer para dar aulas. Uma vez mais, entre protestos. A primeira edição da avaliação chegou a ser pensada para mais de 45 mil professores, mas na véspera da prova, em 2013, o ministro dispensou todos os que tinham cinco ou mais anos de serviço em escolas e a qualificação mínima de Bom.

A Fenprof não desarmou e a 18 de Dezembro desse ano, a primeira data para o exame, houve mesmo professores que não conseguiram ser avaliados por causa de uma greve marcada para esse dia (estavam inscritos 13.551). Depois da prova, providências cautelares decretadas pelos tribunais suspenderam os actos relacionados com o processo.

Em Julho de 2014, Crato estava finalmente em condições de agendar uma segunda data para a PACC. Marcou o exame com cinco dias de antecedência, algo que mereceria mais tarde a crítica do provedor de Justiça, que considerou que esse curto prazo feriu direitos dos docentes.

Na primeira edição, a PACC acabou por ser feita por 10.220 pessoas. Na sua componente comum a todos os docentes a taxa de “chumbo” foi de 14,4%. Já a componente específica, que serve para testar os conhecimentos inerentes aos grupos disciplinares a que pertencem os professores, não foi feita nessa primeira edição, precisamente por causa dos protestos e diferendos jurídicos. Este ano já houve componente específica.

César Israel Paulo, da Associação Nacional dos Professores Contratados, disse ao início da tarde, ainda sem ter analisado o acórdão, que um chumbo “é uma vitória dos professores e da democracia”. Avisa, contudo, que os problemas causados pela prova não acabam. “O que vai o ministério fazer para corrigir a situação dos que foram afastados por causa dela — seja porque chumbaram ou não fizeram? Como vai indemnizar os professores pelas perdas causadas pelo facto de não terem podido trabalhar? Não baixaremos os braços.”

A Fenprof entende que a nova prova marcada para o próximo 18 de Dezembro não poderá realizar-se. Crato não respondeu aos jornalistas que lhe perguntaram se a data se mantém. E José Fontes, constitucionalista ouvido pelo PÚBLICO, explicou que a legislação em causa continua a vigorar, tal como a prova, apesar deste acórdão, havendo contudo forte possibilidade de novas queixas e de eventuais decisões do Tribunal Constitucional no mesmo sentido — “O poder político deve ter a sensibilidade de perceber que há aqui um foco de instabilidade e deve tomar medidas.”

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