O Museu como Performance, ou Serralves num lugar onde já foi muito feliz

Ao longo deste fim-de-semana, um programa intensivo reposiciona Serralves como lugar incontornável do cruzamento entre as artes visuais e as artes performativas.

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Muita tinta preta nas paredes: Exile, performance de Anastasia Ax e Lars Siltberg

Muita tinta preta nas paredes. Um italiano a andar para trás no parque, “de costas para o futuro e olhar posto no passado”. Uma peça para harpa e massagem (destinatário de ambas: o espectador). Uma artista a contracenar com um tapete persa. Dois objectos de cerâmica que será possível – se não mesmo obrigatório – comer. E tudo isto ao vivo, num fim-de-semana em que o Museu de Serralves retoma a sua vocação transdisciplinar e faz da performance o assunto principal.

É, claro, um assunto antigo na história de Serralves. Mas há anos – desde o desaparecimento do Trama, em 2012 – que não tinha tanto protagonismo, nem tanta visibilidade. Nisso, O Museu como Performance, novo eixo de programação que agora se inaugura com uma maratona de dois dias (começa às 11h deste sábado, termina às 20h de amanhã), “confirma e reforça” uma tradição de atenção às artes performativas, “nomeadamente na sua relação com as artes visuais”, construindo ao mesmo tempo “uma plataforma onde artistas nacionais e internacionais” podem passar a apresentar o seu trabalho nessa área. Isto num momento em que, com a reabertura do Teatro Municipal do Porto e os efeitos directos e indirectos da simples existência de uma política cultural para a cidade, o Porto acorda de novo para a vida nas zonas mais experimentais das artes performativas.

Significa isso que O Museu como Performance é uma forma de Serralves voltar a marcar, com um acontecimento anual, um território que nos últimos anos em parte terá perdido (e que, muito recentemente, instituições como o Rivoli ocuparam)? Cristina Grande, Ricardo Nicolau e Pedro Rocha – respectivamente programadores de dança e performance, artes visuais e música do museu – preferem não responder directamente à pergunta, enfatizando antes a importância de se reconhecer a performance “como meio artístico autónomo” que pode finalmente ocupar em Serralves “um espaço semelhante ao de outras disciplinas artísticas”. Uma promoção justificada pelo “número crescente de artistas que apresentam performances nas galerias de museus”, presença que actualmente é “massiva”, e pela vontade que o museu tem de participar nas questões que esse fenómeno levanta.

Mais do que um levantamento do estado da arte da performance neste ano de 2015, a maratona deste fim-de-semana é sobretudo uma maneira de começar a responder a essas questões: "Qual a relação entre uma exposição e a apresentação no espaço museológico de uma obra que vive do tempo? Como é que se investiga e apresenta um meio artístico iminentemente efémero, imaterial? Por que é que tantos artistas visuais se dedicam hoje à performance ­– as motivações serão semelhantes daquelas que aproximaram artistas, bailarinos, coreógrafos e músicos nos anos de 1960? A inclusão da performance refunda a discussão da relação do Museu com a arte contemporânea e o seu público?”.

O programa deste primeiro O Museu como Performance privilegia, por isso, “a diversidade de expressões que o campo da performance hoje permite”, ancorado em marcas específicas como “a obrigatoriedade da presença, em tempo real, do artista e do público” (talvez a que mais contraria a natural vocação do museu como espaço de apresentação de obras inanimadas) ou a contiguidade “com o teatro e a dança”. O potencial de relação com os vários espaços de Serralves – as salas de exposição, mas também a biblioteca e o parque – foi outro dos critérios desta programação que tanto se aproxima da música como da dança, da escultura como do desenho, da palavra dita como da leitura.

Das dez performances que integram esta primeira maratona, algumas – como À Espera, do galego Loreto Martínez Troncoso, concebida para a Biblioteca de Serralves, ou T-A-R-T-A-R-U-G-A, que Isabel Carvalho construiu a partir de A Festa de Babette, de Karen Blixen – são inéditas. Outros artistas, como o italiano Alex Cechetti – que além de andar para trás em Walking Backwards desenhará uma história na parede em Mary & William – ou a dupla Kovács/Doherty, adaptaram as suas investigações às infindáveis possibilidades abertas pelos vários hectares de carta branca dados pela instituição.

Terminado o fim-de-semana, a performance continuará bem sublinhada na agenda de Serralves até ao final do ano. Em Novembro (dias 20, 21 e 22), com um programa dedicado às relações entre o cinema e a música experimentais, Color Sound Frames, e a conferência-demonstração I was here, de João Fiadeiro; em Dezembro, com Untitled, de Tino Sehgal, interpretada por Andrew Hardwidge, Frank Willens e Boris Charmatz, e o workshop Memória, Arquivo e Corpo na Dança Contemporânea, pelo teórico e crítico alemão Gerald Siegmund.

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