Toda a gente salta

Saltam da ponte para o rio, sem regras nem rituais. O Douro é a praia deles.

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Eles dizem que não há regras, nem rituais iniciáticos. Que ninguém os obriga e que ninguém os proíbe. Mas incentivam-se uns aos outros. Começam a atirar-se ao rio, a partir do cais da Ribeira, no Porto, ainda com colete a fazer de bóia, quando têm três ou quatro anos. Depois começam a saltar do “Castelo”, o nome que dão a um pedaço de muralha que existe sob a ponte D.Luis. Segue-se a parte mais baixa do tabuleiro inferior. Depois, a parte mais alta do tabuleiro inferior. Não há regras, insistem, mas há truques. Os emocionais, como o de Alexandre, 10 anos, que reza três vezes seguidas, sendo que chama rezar ao acto de fazer o sinal da cruz. Outro, é o de não ficar muito tempo a olhar para o rio — para o medo não tornar tudo mais difícil, explica Marisa. Medo de que um salto corra mal. Outros, mais técnicos. Que devem abrir o corpo todo o mais possível enquanto estão no ar — “para nos equilibrarmos melhor e não virarmos de lado”, explica Bruna. E, na aproximação à agua têm de diminuir a zona de impacto — “Ficar o mais direitinho possível, dobrar as pontas dos pés, para não doer ao entrar na água”, resume Tamara.

Dizem, também, que saltam pela diversão. Às vezes aceitam o repto “one euro if you jump” que ouvem aos turistas, e são sempre muitos que se colam atrás deles. Ao fim e ao cabo, eles saltam à mesma, quer haja dinheiro, quer não. “Já me disseram muitas vezes que me davam uma moeda se eu saísse do beiral da ponte”, conta Marisa, minutos antes de nele se empoleirar pela quarta vez na mesma tarde. Mesmo que alguém se aproxime e lhes faça “um testamento a explicar tudo o que pode acontecer se um salto calha mal, que podemos ficar paraplégicos”, recorda Jorge. Nenhum deles viu ou soube de algum um salto a correr mal a um natural da Ribeira. Só aos turistas.

É Verão, mas ninguém gosta de praia. As férias são passadas entre um jogo de bola, um jogo de cartas e muitos saltos para o rio. Luísa Pinto.

Marisa Sousa, 13 anos. Foi há dois anos que a ponte lhe pareceu menos medonha. Mas ainda hoje só salta do tabuleiro quando tem alguém imediatamente antes dela a saltar. “Não consigo explicar porquê. Sinto-me mais segura, se souber que está alguém na água para me ajudar, se eu estiver a ir ao fundo”, explica. Os medos passam rápido, porque não fica muito tempo a olhar para baixo. E chegar à água demora menos do que dez segundos. O frio na barriga passa logo. Dá vontade de subir outra vez. E é isso que ela faz, sobe à ponte, e salta de novo. Desde que haja alguém para saltar com ela
Marisa Sousa, 13 anos. Foi há dois anos que a ponte lhe pareceu menos medonha. Mas ainda hoje só salta do tabuleiro quando tem alguém imediatamente antes dela a saltar. “Não consigo explicar porquê. Sinto-me mais segura, se souber que está alguém na água para me ajudar, se eu estiver a ir ao fundo”, explica. Os medos passam rápido, porque não fica muito tempo a olhar para baixo. E chegar à água demora menos do que dez segundos. O frio na barriga passa logo. Dá vontade de subir outra vez. E é isso que ela faz, sobe à ponte, e salta de novo. Desde que haja alguém para saltar com ela
Alexandre Andrade. Dez anos. O sinal da cruz é feito sem pensar muito, que a pressa para sentir a água nos pés é maior do que a devoção. Uma, duas, três vezes. Muito rápido. Splash. De pés. Esbraceja para a margem, sobe as escadas para o sol. Vai saltar de novo. De cabeça. A primeira vez que saltou da ponte D. Luís foi no ano passado, quando tinha nove anos. “Foi muito mais fácil do que pensei”, diz, enregelado, enquanto o pai lhe grita: “Vai-te calçar. Já te disse que só te deixo saltar com sapatilhas”. Vai dar mais três saltos, antes de se ir deitar para apanhar sol
Alexandre Andrade. Dez anos. O sinal da cruz é feito sem pensar muito, que a pressa para sentir a água nos pés é maior do que a devoção. Uma, duas, três vezes. Muito rápido. Splash. De pés. Esbraceja para a margem, sobe as escadas para o sol. Vai saltar de novo. De cabeça. A primeira vez que saltou da ponte D. Luís foi no ano passado, quando tinha nove anos. “Foi muito mais fácil do que pensei”, diz, enregelado, enquanto o pai lhe grita: “Vai-te calçar. Já te disse que só te deixo saltar com sapatilhas”. Vai dar mais três saltos, antes de se ir deitar para apanhar sol
Jorge Guedes, 15 anos. Chega depois de um passeio de bicicleta. Não tem irmãos. Nem pais, tios, ou primos saltadores. Mas cresceu na Ribeira, viu sempre gente a saltar. Os vizinhos saltam, os amigos saltam, ele também não podia deixar de saltar. Desde que pousou a bicicleta, há escassos 15 minutos, já saltou umas quatro vezes. Sempre de pés. Mas também gosta de saltar de cabeça — apesar de ser mais difícil. Garante que não é preciso muita coragem, embora perceba que dê medo a muita gente. “A sério. Para quem nasceu aqui, é um entretém tão natural como jogar à bola”.
Jorge Guedes, 15 anos. Chega depois de um passeio de bicicleta. Não tem irmãos. Nem pais, tios, ou primos saltadores. Mas cresceu na Ribeira, viu sempre gente a saltar. Os vizinhos saltam, os amigos saltam, ele também não podia deixar de saltar. Desde que pousou a bicicleta, há escassos 15 minutos, já saltou umas quatro vezes. Sempre de pés. Mas também gosta de saltar de cabeça — apesar de ser mais difícil. Garante que não é preciso muita coragem, embora perceba que dê medo a muita gente. “A sério. Para quem nasceu aqui, é um entretém tão natural como jogar à bola”.
Tamara Bastos, 14 anos. Filha e neta de saltadores. Tem cinco irmãos, todos saltam da ponte para o rio. Cátia, que já tem 20 anos, diz que já não lhe dá pica, fica a jogar cartas. Ao Paulo, que tem oito, e começou há dois meses a saltar do tabuleiro, todas as vezes são poucas, quer sempre saltar mais. Tamara também era assim, aos nove anos, quando deu o primeiro salto da ponte D Luís. Agora não sabe dizer se salta todos os dias. Diz que salta “quando lhe apetece”. Está de férias da escola (vai passar para o sétimo ano), detesta areia e mais ainda as ondas do mar
Tamara Bastos, 14 anos. Filha e neta de saltadores. Tem cinco irmãos, todos saltam da ponte para o rio. Cátia, que já tem 20 anos, diz que já não lhe dá pica, fica a jogar cartas. Ao Paulo, que tem oito, e começou há dois meses a saltar do tabuleiro, todas as vezes são poucas, quer sempre saltar mais. Tamara também era assim, aos nove anos, quando deu o primeiro salto da ponte D Luís. Agora não sabe dizer se salta todos os dias. Diz que salta “quando lhe apetece”. Está de férias da escola (vai passar para o sétimo ano), detesta areia e mais ainda as ondas do mar
Bruna Silva, 14 anos. Apresenta-se como não sendo da Ribeira, mas de Miragaia, como se isso fizesse a diferença (os bairros distam poucos metros e são ambos na frente do rio) Não se lembra quando se atirou ao Douro pela primeira vez, nem se lembra de ver a mãe saltar. Mas sabe que ela também saltou. “Ela preferia que eu não saltasse. Diz que tem medo que corra mal. Mas sabe que eu salto na mesma. Toda a gente salta. Sabemos o que estamos a fazer”. Quando experimentou a ponte no ano passado, viciou-se na adrenalina. Agora, assegura, salta sempre que está calor. Ou seja, para se refrescar
Bruna Silva, 14 anos. Apresenta-se como não sendo da Ribeira, mas de Miragaia, como se isso fizesse a diferença (os bairros distam poucos metros e são ambos na frente do rio) Não se lembra quando se atirou ao Douro pela primeira vez, nem se lembra de ver a mãe saltar. Mas sabe que ela também saltou. “Ela preferia que eu não saltasse. Diz que tem medo que corra mal. Mas sabe que eu salto na mesma. Toda a gente salta. Sabemos o que estamos a fazer”. Quando experimentou a ponte no ano passado, viciou-se na adrenalina. Agora, assegura, salta sempre que está calor. Ou seja, para se refrescar