Teremos sempre Tame Impala, não esqueceremos Father John Misty

Paredes de Coura esgotou totalmente e parte da responsabilidade é dos Tame Impala, a banda que se surpreendeu com o mar de gente à espera para os ver. Um dia preenchidíssimo: Father John Misty deu um concerto inesquecível, Legendary Tigerman foi incendiário.

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“Este é o maior concerto que demos neste país”, diz Kevin Parker. “Tantas pessoas, tantos cartazes, tanta gente a pedir a minha palheta”, acrescenta.Estávamos no início do concerto mais aguardado da noite, o dos Tame Impala. Um concerto especial que ficará obrigatoriamente inscrito na história do festival e na memória daqueles que encontraram aqui a sua primeira epifania rock – pensamos na geração no início dos vinte que parece tê-los escolhido como a “sua” banda.

Estavam 25 mil pessoas no esgotado Vodafone Paredes de Coura (é oficial, já não há um único bilhete disponível), e os cabeças-de-cartaz tocavam aquela música que, apesar do subtexto dançável, é um psicadelismo sereno e delicado para seguir em contemplação, imersos no som, lançando o olhar aos cinco vultos em contraluz no palco e mantendo-nos hipnotizados pelas projecções nos ecrãs de fractais, espirais e figuras geométricas digitais.

O público havia visto e saído com bom cansaço no corpo do concerto de Legendary Tigerman. O tanto público de Paredes de Coura havia acolhido e sido surpreendido por esse poseur sabido que é Father John Misty, autor de um concerto nada menos que admirável pela forma como ocupou o palco, como explorou o artifício fantasioso que representa expor-se assim perante milhares ou como foi cantautor de intimidades reveladas com sorrido irónico em canções de corpo inteiro (estava a enganar-nos com a verdade, e é isso que o ex-baterista dos Fleet Foxes, num passado que parece tão distante, faz com mestria). E depois aquilo.



Os Tame Impala começaram por ser banda que mergulhava de cabeça nos sonhos ácidos dos exploradores rock das décadas de 1960 e 1970, apontando ao espaço infinito que se abre quando fechamos os olhos e nos deixamos guiar pela imaginação. Eram assim em 2011, quando se estrearam em Portugal com um concerto no Super Bock Super Rock para algumas centenas de convertidos a Innerspeaker, o álbum de estreia.

Assim continuaram em Lonerism, o segundo álbum, com o qual se instalaram definitivamente na consciência melómana do nosso tempo. Currents, o que acabaram de editar, é aquele em que Kevin Parker (é ele a banda, é ele que dirige com precisão os músicos, óptimos músicos, que o acompanham) decidiu dar um passo em frente em direcção a uma música mais física, mais sintética, apontando a memórias difusas da década de 1980 movida a sintetizadores.

Em Paredes de Coura testemunhámos como aquele ontem e este hoje se fundem harmoniosamente. E surpreendeu ver o efeito que isso teve no tanto público que estava ali para os ver – o que já era sugerido pelo facto de, desde a tarde, um rapaz passear pelo recinto exibindo no tronco nu um pedido especial (Kevin Parker, fuck me”) e de até António Costa, líder do Partido Socalista, ter vindo até a Paredes de Coura recusando falar de política: “estou aqui para ver Tame Impala”, terá dito, citado pela TSF.

Mesmo quando mergulhavam nas canções mais ambientais do último Currents, mancha de sintetizadores conduzindo serenamente o andamento da música, pareciam incapazes de perder o público, o que é um feito assinalável em tempos de reduzida capacidade de atenção. “Ah, estão a cantar ‘Tame Impala’”, dirá um Kevin Parker desarmado, já no encore, perante aquilo que lhe estava a acontecer. O que lhe estava a acontecer, bem mais do que o público entoar o nome da sua banda, era perceber como a sua música, a de um australiano vindo de uma cidade isolada nos antípodas, Perth, toca de forma especial tanta gente do outro lado do mundo. Mesmo que falhassem na noite de Paredes de Coura, esse elo não se quebraria. E não se quebrou.

Let it happen, a canção de abertura de Currents, foi também aquela com que arrancaram o concerto. Deu o mote: viagem em ritmo propulsor, equidistante do french-touch dos Daft Punk e de uns Pink Floyd nascidos vinte anos depois, pôs o público a cantar, não a letra que Kevin Parker cantou na sua voz frágil e nasalada, à John Lennon, mas a linha de sintetizador que a marca.

Palco ocupado por Parker, um baterista, dois teclistas e um baixista, palco transformado em cenário de uma visão musical pessoalíssima – essa foi, de resto, a marca que deixou o dia de ontem: a música muito pulou e avançou nos últimos 50 anos, muito se pilhou, muito se imita e muito se remistura, mas continua a ser impossível resistir a personalidades que se impõem por não serem iguais a nenhuma outra e por revelarem uma visão musical inimitável (Kevin Parker, Father John Misty, Legendary Tigerman foram essas personalidades na noite de quinta-feira em Paredes de Coura).

Será seguro afirmar que o Vodafone Paredes de Coura 2015 não terá dia mais rico que o desta quinta-feira em que os Peixe:Avião inauguraram o palco principal para confirmar que são culto seguido com atenção, em que Steve Gunn nos ofereceu viagem guiada por dedos sábios e voz serena pela América que interessa (folk e country rock trabalhados com liberdade e muito talento), em que os White Fence, de São Francisco, mostraram como ser absurdamente clássicos, mas sem incómodas teias de aranha à vista, na revisita ao legado psicadélico da cidade, e em que os Pond, banda irmã dos Tame Impala (cresceram juntos, partilham membros), fizeram transbordar o Palco Vodafone FM. “São a minha banda preferida. Primeiro eles, e só depois os Tame Impala”, diz-nos de passagem um estrangeiro em estreia no festival, que nos fugiu rápido demais para sabermos de onde vinha. Todos eles foram responsáveis pela fartura de boa música no segundo dia de Paredes de Coura.

Este não é mais um concerto
O homem é um pregador anti-pregação, é um romântico irónico, é um mal-disposto caloroso, é um actor que põe máscara para se mostrar mais claramente. O homem é Joshua Tillman, ou seja, Father John Misty, e será impossível fazer sem ele a história do Paredes de Coura 2015, lotado mas ainda transitável e dentro dos limites do conforto, apesar das inevitáveis filas para as casas de banho e para a alimentação.





Mal começara o concerto e era ver o galã hirsuto arrojar-se de joelhos no chão e erguer o braço no ar como pregador folk. O concerto está a chegar ao fim e ouve-se essa canção de terrível ironia, Bored in the USA, torch song de riso sarcástico e uma tristeza sem fim, iluminada por milhares de isqueiros. Father John Misty descerá até ao público, “roubará” um telemóvel e dará ordem ao pianista para recomeçar a canção – e canta um par de versos enquanto filma mas logo se cansa de o fazer, minando o momento que ajudara a criar. Este não é mais um concerto. O homem que sobe a palco não sabe, parece-nos, dar “só” mais um concerto.

A sua música, a preservada em Fear Fun (2012) e I Love You, Honeybear (a actuação começou, precisamente, pelo tema título), vive da paixão declarada pela folk americana, mas esta folk de canções imaculadas à superfície não é a habitual – digamos que é a Americana a gostar surpreendentemente dela própria. Aqui, canta-se a morte do ladies man enquanto se faz o requiem pelo romantismo de que, de qualquer forma, se desdenha.

Aqui, há country-rock em que Gram Parsons adoraria participar (I’m writing a novel), há romance passivo-agressivo (“Oh, I just love the kind of woman who can walk over a man”), há, perante nós, um dos melhores e mais impressionantes compositores de canções dos nossos tempos. Nunca o poderemos tomar por garantido e, para além dos versos literatos, da gestão perfeita da dinâmica da música, do bom gosto dos arranjos e das melodias (belíssima essa surreal This is Sally Hatchet, qual canção extra do Sgt. Peppers dos Beatles), é isso que torna o seu concerto memorável.

Com ele em Paredes de Coura, tivemos ainda como extra o privilégio de ver desmontado num par de segundos a bizarria que é levar bandeiras nacionais para os concertos. “Deixa-me apanhar isto”, exclamou numa das descidas até ao público. Subiu até ao palco com a bandeira portuguesa às costas e, no momento seguinte, pediu desculpa pela deslocada demonstração de nacionalismo. Enrolou-a nos ombros do roadie que se aproximou e beijou-o na testa. “Ouvi dizer que é o cumprimento tradicional português”, comentou com humor. O sacana com boa pinta deu um concerto verdadeiramente inesquecível. Na memória do Vodafone Paredes de Coura 2015, teremos sempre Father John Misty. Como teremos sempre Legendary Tigerman.

Já passou mais de uma hora de rock’n’blues insaciável, mais de uma hora em que a banda formada pelo homem tigre Paulo Furtado, pelo baterista Paulo Segadães, o teclista Filipe Costa e o saxofonista João Cabrita se revelou um combo incendiário – impressionante o diálogo entre a guitarra de Furtado e sopro grave do sax barítono de Cabrita.

Já passou mais de uma hora em que se ouviram Storm over paradise, do último True, a Naked blues do início de toda esta caminhada. O público cantou com a banda a versão de These boots are made for walking e acelerou - e salta mosh e venha crowd-surf - com a interpretação a solo da electrizante Bad luck rhythm’n’blues machine. E agora, no final da torrencial XXIst Century Rock’n’roll, Paulo Furtado já pôs o público a gritar o mote para toda aquela agitação (“Rock’n’roll!”, precisamente) e já o microfone fugiu nas mãos de alguém que continua a berrar, cada vez mais rouco, aquele mantra libertador.

A banda reinicia o ritmo, o público salta o que tem para saltar e grita o que tem para gritar, o rapaz já enrouquecido há-de, por fim, devolver o microfone à procedência, e sentimo-nos saciados. O palco é o lugar onde tudo pode acontecer e normalmente acontece. Já o escrevemos mais que uma vez em relação a concertos de Legendary Tigerman. Repetimo-lo, convictos, no final deste. Não há nada melhor que sermos surpreendidos. Neste Paredes de Coura que conseguiu a proeza de lotar com uma programação que contorna facilitismos e procura os mais prementes sinais de vitalidade na música popular urbana, dando-lhes meritório destaque em cartaz, a surpresa não pertenceu apenas a quem assistia.

Kevin Parker mostra o alinhamento de onde está ausente o encore que os Tame Impala são obrigados a fazer e entrega-o ao “amigo” na assistência. Kevin Parker e os Tame Impala, enfiados na sombra do palco entre os fios de toda a parafernália técnica, não consegue parar de agradecer o que 25 mil lhe estão a oferecer.

A sua música, hoje um híbrido orgânico sintético, som quente e imaculado, é uma máquina onírica admirável. A sua música, para além disso, é feita de canções que, apesar de tão recentes, já têm textura de clássicos. É o que acontece quando chega o riff rock’n’roll de Elephant, quando se anuncia o doce balanço de Feels like we only go backwards (e toda a gente canta o refrão e o resto), quando se ouve essa Cause I’m a man acabada de chegar, preciosidade irresistível gravitando na órbita Prince. Música criada com precisão científica para que nos libertemos sem amarras, esta dos Tame Impala. Em Paredes de Coura, a felicidade atenta com que o público a recebeu, mesmo nos momentos menos inspirados de Currents, provou a Kevin Parker que sim, é mesmo verdade, o rapaz saído de Perth, 29 anos, está a criar qualquer coisa especial.

Um encore depois, vénia feita ao público, ar surpreendido com o que vê perante si, Kevin Parker despede-se com promessa de regresso. Teremos sempre Tame Impala. E eles, desde 20 de Agosto de 2015, terão sempre Paredes de Coura.

O festival continua esta sexta-feira com The War On Drugs e Charles Bradley como destaques e termina sábado com Lykke Li, Temples, Fuzz ou Ratatat.  

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