Aos 20 anos, o Explorer chegou à idade da reforma

O browser da Microsoft chegou a ser a porta de entrada na Internet para quase 90% dos utilizadores. O apogeu coincide com um período áureo da empresa, que agora tenta reinventar-se.

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O Windows 10 traz o browser Edge Mike Segar/Reuters

O Internet Explorer era um ícone da Internet – literal e figurativamente falando. No ambiente de trabalho ou na barra de tarefas do Windows, o ícone com a letra “e” azul foi, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, sinónimo de Internet para muitos utilizadores. Nessa altura, era o vencedor incontestado da guerra dos browsers.

Contudo, pouco antes de fazer 20 anos, o navegador da Microsoft passou à história. O Windows 10, a mais recente versão do sistema operativo, traz um novo browser.

A ascensão e a queda do Internet Explorer coincidem, aproximadamente, com o período áureo da própria Microsoft e com uma nova era da empresa, em que o declínio dos PC e a ubiquidade das plataformas móveis e da computação em nuvem obrigaram a redesenhar estratégias.

O velho browser da Microsoft foi lançado em Agosto de 1995, ao mesmo tempo em que chegava ao mercado o Windows 95, que foi um marco, ao estrear muitos elementos que viriam a ser usados até aos dias de hoje nas sucessivas versões do sistema (uma das novidades do 95 era o menu Iniciar, cuja ausência no Windows 8 motivou uma avalancha de protestos e que está de volta na nova versão). Este primeiro Internet Explorer assentava na tecnologia do browser Mosaic, criado em 1993 e um dos grandes responsáveis pela popularização da World Wide Web, uma tecnologia inventada poucos anos antes no CERN, na Suíça.

Quando foi lançado, o Internet Explorer ainda não era uma parte integrante de todos os Windows. Quem comprasse o sistema operativo para o instalar num computador, podia obter o Internet Explorer separadamente, como parte de um pacote de melhoramentos do Windows. Mas já vinha incluído nas versões do Windows 95 pré-instaladas pelos fabricantes nos computadores novos. Esta pré-instalação foi o início de uma estratégia que, anos mais tarde, valeu à Microsoft o domínio do mercado e multas milionárias por parte da Comissão Europeia.

A primeira guerra
Em 1997, com uma nova versão do Windows a aproximar-se (e estando já quente a febre dos negócios online que haveria de originar uma bolha bolsista), a Microsoft apresenta um Internet Explorer muito mais integrado no sistema operativo (ao instalar o browser, por exemplo, uma opção permitia tornar toda a interface do Windows mais parecida com a navegação na Web e era também possível ver conteúdos online directamente no ambiente de trabalho). Gratuita, esta era a quarta versão do Explorer, que viria a ganhar a chamada primeira guerra dos browsers.

Naquele tempo, o Netscape Navigator, desenvolvido por uma empresa muito mais pequena do que a Microsoft, era o browser dominante, com uma quota de mercado ligeiramente acima dos 70%.

O Netscape e o Explorer competiam pelas melhores funcionalidades para o utilizador final e também para os criadores de sites (muitos sites tinham então pequenas imagens a indicar qual era o melhor browser para serem vistos). Mas o trunfo do Windows foi decisivo na batalha. O sistema operativo equipava a larga maioria dos computadores pessoais de todo o mundo e o facto de o Internet Explorer estar pré-instalado não deu hipótese ao Netscape, que tinha de convencer os utilizadores a instalarem-no quando já tinham um browser pronto a usar.

O reinado do Internet Explorer, que só começaria a ser disputado a partir de meados da década seguinte, coincide com uma Microsoft tão dominante que a justiça americana tentou parti-la.

Em 2000, as autoridades levaram a Microsoft a tribunal, acusando-a de usar a pré-instalação do Internet Explorer no Windows, bem como outras técnicas de concorrência desleal, para afastar os rivais. Um juiz decretou que a empresa fosse dividida em duas: uma ficaria com o Windows, outra com o restante software, o que incluía o Microsoft Office, outro dos best-sellers.

O mercado dos browsers tem uma particularidade: o produto é, em geral, gratuito, mas pode significar muito dinheiro para a empresa que o cria. Isto acontece porque os browsers trazem uma série de configurações que muitos utilizadores não se dão ao trabalho de mudar e que condicionam comportamentos: por exemplo, a página inicial ou, mais recentemente, o motor de busca que têm incorporado. E há empresas (como o Google, que acabou por desenvolver o seu próprio browser) dispostas a pagar para serem a opção padrão neste tipo de configurações.

A divisão da Microsoft não aconteceu. O juiz acabou afastado do caso, a administração de George W. Bush, eleito em 2001, pretendia um rápido ponto final no processo e a empresa acabou por chegar a um acordo com a justiça.

Ainda em 2001, surgem dois importantes lançamentos para a Microsoft: o Windows XP – até hoje, o mais bem-sucedido – e a consola Xbox, que foi a entrada nos videojogos. Na altura, o Internet Explorer era para a maioria das pessoas a porta de entrada no mundo crescente da Internet: aproximava-se dos 90% de quota de mercado.

A reforma
A Microsoft anunciou no início deste ano a reforma do Internet Explorer. O Windows 10, que é o novo sistema para computadores, tablets e smartphones, começou a ser disponibilizado no final de Julho. Com ele, veio um novo browser.

O Explorer, no entanto, não foi extinto. Está enterrado no sistema, a pensar nos utilizadores empresariais que precisam dele para aceder a sites e ferramentas internas que foram construídas com tecnologia mais antiga.

O que levou a Microsoft a abandonar um produto conhecido, com quase 20 anos no mercado e que conseguiu ser líder isolado? Resposta sumária: um mundo em que os computadores já não são o único dispositivo que liga as pessoas à Internet e no qual a Microsoft se tenta reinventar.

Nos anos recentes, o Explorer estava longe do seu apogeu. O browser Firefox, um descendente do Netscape lançado em 2002, revelou ser o primeiro concorrente sério à hegemonia da Microsoft. Já em 2008, o Google lançou o Chrome, concebido para uma utilização em que muitas tarefas que tipicamente eram feitas em programas de computador – como escrever textos ou editar imagens – passaram também a ser feitas online.

Desde 2008, a quota de mercado do Internet Explorer caiu de cerca de 70%, para os actuais 19%, segundo a empresa de análises StatCounter. O Chrome tem uma fatia de cerca de 55% e o Firefox fica-se pelos 17%. O Safari, da Apple, ronda os 5% e o Opera, um browser nórdico que sempre teve uma utilização de nicho, está nos 2%.

Estes, porém, são os números apenas para a utilização nos computadores. Somados os tablets e os telemóveis, a quota da Microsoft é um pouco mais pequena e o Explorer desce um lugar na tabela. O Chrome, que faz parte da maioria dos aparelhos com Android, tem cerca de 45%. O Safari, pré-instalado nos iPhones e iPads, é o segundo, com 13%. O Internet Explorer aparece em terceiro lugar, com 12%.

Os números espelham a situação do próprio Windows. No ano passado, a Microsoft declarou que o sistema já não era um líder de mercado, uma vez que o mercado é agora feito de vários tipos de dispositivos. De acordo com estimativas da Gartner, este ano, o Windows vai equipar 15% do conjunto de equipamentos que vão chegar aos consumidores: computadores tradicionais, tablets, smartphones e aparelhos híbridos.

Tempos de mudança
Os desafios recentes e a concorrência de empresas como a Apple e o Google não impedem a Microsoft de ter produtos – incluindo o Office, a Xbox e vários serviços empresariais – que são máquinas de fazer dinheiro. Mas obrigou a empresa a várias mudanças e a fazer apostas que nem sempre foram ganhas.

Em 2013, foi anunciada a compra do negócio de telemóveis da Nokia. O Windows Phone tinha dificuldades em ganhar quota num mercado liderado pelos Androids e onde o iPhone tinha um pé firme no segmento de gama alta. A Microsoft queria passar de uma empresa de software para uma de serviços e dispositivos.

O objectivo da aquisição era fabricar os seus próprios telemóveis, que estabelecessem uma fasquia para os restantes fabricantes e ajudassem à adopção do Windows Phone. O plano não foi bem-sucedido: em Junho deste ano, a empresa comunicou 7500 milhões de dólares de imparidades relacionadas com a compra da Nokia.

Também há dois anos, o presidente executivo Steve Ballmer demitiu-se. Não era fundador, mas era um dos históricos da Microsoft – o primeiro gestor contratado por Bill Gates. Para o lugar foi escolhido Satya Nadella.

O novo executivo tomou medidas duras. Está em curso a maior vaga de despedimentos na história da empresa. Também houve cortes e mudanças no topo da pirâmide. Saiu Stephen Elop, o executivo responsável pelos telemóveis e que fora CEO da Nokia.

Entretanto, é tempo de um recomeço. O Windows 10 começou a ser disponibilizado no final do mês passado. “Não é apenas uma nova versão [do sistema operativo] mas o começo de uma nova era”, afirmou Nadella.

Com este lançamento, a Microsoft procura corrigir os erros do Windows 8, que pretendia ser uma plataforma tanto para tablets como para computadores tradicionais, mas que não convenceu os utilizadores. A nova versão traz um browser diferente com mais funcionalidades: a integração da Cortana, a assistente pessoal da Microsoft; um modo de leitura sem distracções; a possibilidade de criar anotações em páginas e partilhá-las. Mas há coisas que não mudam. Ciente de que muitos ainda associam a Internet ao Explorer, o browser chama-se Edge e o ícone é um “e” azul.

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