Director da National Gallery estreia-se no meio de uma greve e com metade do museu fechada

Gabriele Finaldi regressa a Londres depois de 13 anos como n.º 2 no Prado. De um grande museu para outro, no meio de um conflito laboral e de muitas mudanças.

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Funcionário protesta à porta da National Gallery, Londres Stefan Wermuth/Reuters

Gabriele Finaldi chega esta segunda-feira à National Gallery de Londres para ocupar o cargo de director quando a casa está no meio de um turbilhão, com centenas de funcionários em greve por tempo indeterminado, e quando o Reino Unido discute a gratuitidade no acesso às colecções dos museus públicos. Tempos de mudança a que este anglo-italiano que passou os últimos 13 anos como n.º 2 do Museu do Prado, em Madrid, terá de dar resposta.

Nas páginas dos jornais ingleses críticos e analistas esgrimem argumentos contra e a favor da greve, mas Finaldi ainda não se pronunciou. Publicamente, pelo menos. O que fará a partir de hoje enquanto substituto de Nicholas Penny permanece, por isso, um mistério. Certo é que terá de lidar com uma forte onda de descontentamento, com metade do museu fechada, com os protestos de milhares de turistas e com o impacto económico negativo que se faz sentir nos cofres de um museu que precisa de aumentar as receitas próprias para reduzir a sua dependência do investimento público.

No regresso a Londres – este historiador de arte nasceu na cidade e foi conservador de pintura italiana e espanhola da National Gallery entre 1992 e 2002 - Garbiel Finaldi (n. 1965) terá, muito provavelmente, de voltar a sentar-se à mesa com o sindicato de serviços públicos e comerciais (PCS, na sigla inglesa, que controla cerca de um terço dos 600 funcionários do museu), que se opõe à privatização proposta pela administração. Com o apoio do anterior director, foi contratada uma empresa externa – a Securitas – para garantir a segurança e boa parte dos departamentos de atendimento ao visitante. É para os quadros dessa entidade que deverão ser transferidos cerca de dois terços dos trabalhadores da National Gallery (NG).

A decisão levou o sindicato a organizar mais de 50 dias de acções de protestos, que se intensificaram com o despedimento de uma trabalhadora, Candy Udwin, também representante do PCS (o tribunal ordenou entretanto que Udwin continuasse a receber salário enquanto o processo que levantou contra o museu não estiver resolvido). A 11 de Agosto as paralisações ocasionais dos últimos meses deram origem a uma greve contínua por tempo indeterminado, tornando inacessíveis algumas das principais galerias e a popular exposição temporária dedicada a Monet e ao seu jardim em Giverny.

No comunicado que tem online, o museu explica que, “lamentavelmente”, está a ser afectado por uma greve organizada pelo PCS, que se opõe ao “programa de modernização” em curso, desenhado para atrair “um público mais alargado e mais jovem”. Para tal, explica a direcção, pretende aumentar o número de eventos públicos e estender a oferta educativa, o que obrigará à introdução de “novos hábitos de trabalho” nos sectores que lidam com a segurança e com o atendimento ao público, capazes de garantir “maior flexibilidade” à instituição que recebe mais de seis milhões de visitantes por ano. “Não haverá nenhuns cortes no pessoal e os termos e condições [dos actuais contratos] serão protegidos”, assegura o mesmo documento.

Apesar das garantias dadas pela administração, os trabalhadores temem despedimentos e a degradação das condições de trabalho. Receiam ainda que a contratação de seguranças externos piore a qualidade do serviço público, já que o visitante não pode recorrer aos novos guardas para receber indicações sobre a colecção.

“O que queremos é manter a galeria aberta e fiel aos princípios com que foi fundada, [os que fazem dela] um lugar para a arte que está aberto a todos”, acrescentava um dos grevistas com cartazes que tem vindo a reunir-se à porta do museu, que não se identifica por temer represálias. “Posso sentir o que aí vem. Está no ar. Eles vão transformar a National Gallery numa grande Disneyland. E nós definitivamente não queremos isso.”

Vem aí um tsunami
Segundo a imprensa inglesa, o secretário-geral do sindicato pediu a Finaldi que interviesse para desbloquear a situação antes de assumir funções oficialmente, o que não aconteceu. “Estamos disponíveis para negociar”, garantiu Mark Serwotka, “[mas] continuamos a acreditar que esta privatização não é necessária e que afecta a reputação justa que o museu tem em todo o mundo enquanto um dos maiores recursos culturais do país”.

Os analistas britânicos têm vindo a olhar para a greve na NG como o símbolo de uma revolta contra o Governo de David Cameron, que se prepara para anunciar mais cortes nos serviços públicos e nos direitos dos sindicatos. A solidariedade para com os trabalhadores do museu tem chegado por diferentes vias, em geral alimentada pela oposição. Jeremy Corbyn, que disputa a liderança do Partido Trabalhista, já veio defender os funcionários, classificando como “intransigentes” os gestores do museu.

Polly Toynbee, colunista do Guardian, explica num dos seus artigos que, ao passarem para os quadros da Securitas, os 400 funcionários que prestam assistência aos visitantes podem ser transferidos para qualquer um dos postos da empresa, trocando, por exemplo, o seu convívio com as pinturas de Van Gogh ou dos mestres da renascença por um átrio de aeroporto ou o parque de estacionamento de um supermercado. Toynbee culpa ainda Nicholas Penny pela condução “desastrosa” das negociações e antecipa o ataque do executivo de Cameron aos sindicatos: “Os auxiliares da National Gallery são uma pequena bolsa de resistência perante o tsunami que se prepara para destruir o pouco que resta dos direitos dos trabalhadores deste país.”

Reorganizar a colecção
Em Maio, numa entrevista que deu ao diário espanhol El País, Finaldi reconheceu a existências de “conflitos” entre a direcção e o sindicato que representa uma boa fatia dos trabalhadores, mas disse esperar que tudo se resolvesse em “alguns meses”. Enganou-se. A tensão entre a direcção/administração do museu e os seus funcionários mantém-se, com prejuízos evidentes para o público naquela que é a época mais concorrida do ano.

O que se sabe para já é que gostaria de ver o museu londrino melhorar as suas condições de visita – com seis milhões de entradas por ano, é difícil garantir espaços de “contemplação”, advertiu – e apostar ainda mais no conhecimento das suas colecções, área em que, no Prado, investiu grande parte da sua energia como director-adjunto (o Centro de Estudos afecto ao museu foi o seu “projecto de autor” na pinacoteca madrilena, uma das mais importantes do mundo).

Finaldi leva para Londres quase 15 anos de experiência no Prado, onde reorganizou as colecções (lamenta que a tarefa tenha ficado por completar) e foi decisivo na modernização do museu. Não é, por isso, de estranhar que repensar a exposição do acervo da National Gallery – quase 2500 pinturas, incluindo muitas obras-primas da arte ocidental - faça parte dos seus planos.

Entre as suas preocupações está o financiamento ao museu. Ao El País lembrou que, apesar de a tradição de mecenato ser maior no Reino Unido, a NG tem mais problemas de sustentabilidade do que o Prado, já que o museu de Madrid, segundo dados divulgados pelo mesmo jornal no fim de Julho, é autofinanciado a 70,2%, ao passo que o londrino depende em mais de 65% do dinheiro que o Governo lhe atribui. Mas este cenário não pode levar, adverte o historiador de arte, a que se aposte cegamente em exposições-blockbuster.

Finaldi não quer fugir dos grandes nomes - Leonardo da Vinci, Miguel Ângelo, Piero della Francesca, Rembrandt ou Velázquez - que representam grandes receitas porque eles fazem parte do ADN da colecção do museu, mas diz que é preciso encontrar um equilíbrio entre a boa investigação histórica, capaz de produzir conhecimento, e o de atracção de um Leonardo. Foi isso que aconteceu com duas exposições recentes da National Gallery, lembrou, Leonardo da Vinci: Painter at the Court of Milan e Rembrandt: The Late Works, uma “verdadeira descoberta”.

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