“Transtorno” da greve dos enfermeiros divide doentes
Alguns utentes estão ao lado dos enfermeiros, outros criticam que os doentes que ficam sem tratamentos sejam prejudicados.
Maria Odete Nunes desce vagarosamente as longas escadas do Centro de Saúde de Sete Rios, em Lisboa. Uma mão coordena-se com o corrimão, a outra com a muleta. Vem a murmurar palavras irritadas. A distância de casa até à unidade de saúde não é grande, mas as pernas “com uma idade que já não se conta”, tornam qualquer percurso num desafio. Veio – em vão – refazer o penso na perna enfaixada em ligaduras. “Os enfermeiros estão em greve e agora não há nada para ninguém. Podiam ao menos ter telefonado ou dito na televisão”, diz, zangada e ameaçando não regressar amanhã.
O Centro de Saúde de Sete Rios é uma das unidades afectadas pela greve de três dias convocada pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP). Nesta terça-feira param os hospitais e centros de saúde de Lisboa e Vale do Tejo, na quarta-feira é a vez do Alentejo e na quinta-feira o protesto chega ao Algarve. Na base da greve estão sobretudo problemas salariais, tanto no valor de acesso à profissão, como nas carreiras congeladas ou cortes nas horas extraordinárias. O SEP estima que a adesão neste primeiro dia tenha sido superior a 77%.
A falta dos enfermeiros é vista como um “transtorno” pelos utentes, ainda que alguns compreendam as razões da greve e que se coloquem ao lado dos profissionais de enfermagem. Não é o caso de Odete Nunes, que insiste em que “merecia pelo menos ser avisada”. A reformada queixa-se “das greves a toda a hora” que “não levam a lado nenhum”. “Nós é que sofremos”, acrescenta.
Neste centro de saúde a adesão dos enfermeiros à greve não foi total. Houve profissionais a comparecerem, por exemplo, na vacinação infantil e nas consultas de saúde materna – mas não no serviço que Odete Nunes precisava. Problema semelhante teve Maria do Rosário Lourenço. Viaja em breve para Angola e veio à consulta do viajante. “Tive consulta com o médico mas não havia enfermeiro para dar a vacina e tenho de voltar amanhã”, explica. Critica o “transtorno”, mas percebe que os enfermeiros estão a defender a sua carreira.
Do lado dos hospitais, por realizar ficam sobretudo algumas cirurgias programadas e também tratamentos. Hélio Rocha é da Ilha Terceira mas teve o azar de se cortar num braço aqui em Lisboa. Vinha mudar o penso ao Hospital de S. José, onde as salas de espera estão praticamente iguais aos outros dias. Só alguns panfletos colados nos vidros fazem notar que não é um dia igual aos outros. “Mas por causa da greve não havia enfermeiro para fazer isto. Como era urgente foi mesmo o médico, da cirurgia plástica, a ter de fazer. Claro que fiquei satisfeito”.