O gladiador em terceira mão

Jake Gyllenhaal passou seis meses a treinar para interpretar um pugilista em Southpaw, apresentado fora de concurso em Locarno. É pena que o filme não esteja à altura do seu empenho.

Jake Gyllenhaal merecia um  filme que o tratasse melhor
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Jake Gyllenhaal merecia um filme que o tratasse melhor DR
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O problema é que Southpaw, que a Piazza Grande de Locarno recebe nesta sexta-feira à noite, não quer ser O Touro Enraivecido. Quer ser uma versão moderna e hip-hop de O Campeão, o melodrama de 1979 de Franco Zeffirelli com Jon Voight e Faye Dunaway, que já de si era um remake de um filme de King Vidor de 1931. É, portanto, um filme em terceira mão de mais que uma maneira, porque o projecto foi originalmente desenvolvido para o rapper Eminem antes de Gyllenhaal aceitar o desafio de se tornar em Billy Hope, o pugilista órfão nova-iorquino que perde título, mulher, filha, casa, dinheiro, enfim, tudo, e se vê obrigado a recomeçar do zero.

Gyllenhaal, então, passou seis meses a treinar para ganhar o físico esculpido e a agilidade do boxeur, e o produtor Harvey Weinstein, ainda a tentar recuperar os anos de ouro da Miramax, já está a tentar posicioná-lo para os Óscares no que seria a "vingança" pela interpretação alucinada, habitada, do actor em Nightcrawler Repórter na Noite, de Dan Gilroy, ter sido ignorada o ano passado.

Se não se põe em causa como nunca se pôs o empenho e a inteligência do actor,  a verdade é que Nightcrawler vivia da presença de Gyllenhaal no seu centro, a dar consistência a uma história que tinha a ver com os nossos dias, e não conseguimos ver outro actor no papel. Em Southpaw, pelo contrário, ele está lá como podia estar outro qualquer, e o filme pede-lhe a transformação física mas depois não lhe dá mais nada. Em vez de lhe fazer confiança e deixá-lo à vontade, leva-o pela mão por uma espécie de "via sacra" do melodrama tradicional, e Gyllenhaal deixa-se ir, com a entrega que lhe reconhecemos mas sem que Fuqua e o argumentista Kurt Sutter (criador da série televisiva Sons of Anarchy) lhe dêem espaço para se impor. 

O guião marca o ponto em todas as estações obrigatórias da queda e redenção, o realizador filma-o de acordo com os códigos tradicionais do filme de boxe actualizados para estes dias de combates pagos na televisão por cabo, Instagram e ciclo noticioso de 24 dias.

É tudo muito sofisticado, muito envernizado, muito certinho - e muito anónimo e muito previsível, desde a relação de Billy com a filha e a sua definição como um miúdo grande forçado a crescer de supetão, até à entrada de Forest Whitaker como o treinador-guru que o vai levar à redenção.

É o tipo exacto de filme à medida do Óscar em que os Weinstein se especializaram, com muito espalhafato para encher o olho mas pouco sumo lá dentro e, sobretudo, pouca alma. Não seria inesperado vê-lo nomeado para os prémios em 2016; mas Jake Gyllenhaal merecia um filme que o tratasse melhor.

 

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