Obras na praia Dona Ana, em Lagos, motivam queixa contra o Estado em Bruxelas

Ambientalistas falam de “crime premeditado”, levado a cabo pelo Ministério do Ambiente, na praia que foi considerada a “mais bonita do mundo”. A areia passou de dourada a cinzenta, mas a praia pode hastear as bandeiras azul e dourada.

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As máquinas devem deixar a praia na quarta-feira FILIPE FARINHA/STILLS

Com três semanas de atraso em relação ao previsto, termina nesta quarta-feira a operação de ampliação da praia Dona Ana, em Lagos.

A obra, com um custo  de 1,9 milhões de euros, continua a alimentar polémicas e a dividir opiniões. A Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve (Almargem) anunciou que vai enviar uma queixa à Comissão Europeia contra o Estado português e apresentar no Ministério Público uma outra queixa-crime contra o Ministério do Ambiente.

Segundo os ambientalistas, cometeu-se um “grave e premeditado crime ambiental que não pode ficar impune”. Além da descarga de 150 mil metros cúbicos de areia retirada do fundo mar, dizem, foi construído um esporão a ligar um leixão à arriba, colocando em causa o equilíbrio ecológico. A construção de obras costeiras de combate à erosão marítima tendentes a modificar a costa, argumenta a Almargem, estão sujeitas a avaliação de impacto ambiental. “Essa avaliação de facto não existiu”, diz Fernando Grade, o elemento desta associação que tem estado à frente dos protestos contra esta intervenção.

O que se vê, observa João Cunha, é “pior do que as imagens que mostrou a televisão”. O veraneante, chegado do Montijo, tinha curiosidade de conhecer o lugar, com grutas, mar azul e praia dourada que a revista Condé Nast Traveller classificou como a “praia mais bonita do mundo”. A intervenção, afirmou, foi “uma desilusão”.

Esta quarta-feira, garante o director regional da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Sebastião Teixeira, abre a nova praia D. Ana, com o dobro da dimensão, mais 40 metros de largura do que tinha no ano passado. Uma vez ultrapassada a fase da confusão e das máquinas em movimento, adianta, a praia até pode hastear a Bandeira Azul, atribuída pela Associação da Bandeira Azul da Europa e bandeira da Qualidade de Ouro, distinção da Quercus.  

Uma situação “lamentável”, diz Fernando Grade, acrescentando que a Almargem -  na sequência das “perturbações e impactos negativos que se verificaram no ecossistema - pediu a ambas as instituições, no início da época balnear, para que fossem retirados esses galardões. Não teve sucesso. Por isso, critica: “As bandeiras [símbolos de qualidade] ficarão para sempre manchadas e associadas ao crime que destruiu uma das praias mais bonitas do mundo”, enfatiza.  

No alto da arriba, João Vieira, de 78 anos, conversa com um amigo de ocasião: “Um espectáculo, a praia está um espectáculo!". Não, não é ironia. O antigo agricultor, de Lagos, está mesmo fascinado com o tamanho do areal. “Com a maré cheia, a praia praticamente não existia, agora está grande – fizeram aqui bom trabalho”, explica. 

E a cor da areia, cinzenta, agrada-lhe? “A rapaziada do mar diz que passado um Verão, fica tudo limpo”. No mesmo sentido, Sebastião Teixeira “recomenda” uma visita às quatro praias do concelho de Lagoa (Carvoeiro, Penagil, Praia Nova e Cova Redonda) e ainda às praias do Castelo e da Coelha, em Albufeira. À semelhança do que aconteceu em Lagos, essas praias também receberam areias vindas do fundo do mar. Passando um ano, o sol e água esbatem o cinzento dos sedimentos, garante.

À entrada da escada de madeira que dá acesso à praia D. Ana, Júlia Francisco, emigrante em França, hesita em descer. “A minha praia está diferente”, comenta. Tenta perceber o que se está a passar. Lê os painéis de informação: "valor da empreitada 1,9 milhões de euros, comparticipação comunitária 1,6 milhões." Após uma avaliação sumária dos custos e benefícios, comenta: “Visto pelo lado da segurança, parece-me bem [gasto o dinheiro], mas não gosto de ver a artificialização do ambiente”. A amiga que a acompanha, Maria Fernanda Azevedo, acrescenta: “Mas eles estão apenas a aumentar a praia...”

À saída do areal, onde deixou a família, rodeada de máquinas em movimento, Júlio Gouveia, de Lisboa, deixa duas críticas: “Isto devia ter sido feito era no Inverno, a areia escura é desagradável”. João Cunha, um frequentador habitual do Algarve, remata: “Vim hoje com a família, mas não vou cá voltar”. A proprietária do apoio de praia, condescendente, comenta: “De futuro, pode ser bom, mas agora está a ser mau” para comerciantes e amantes da beleza em estado natural.

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