Um balão de São João que é português e brasileiro

A iniciativa “São João Baloeiro 2015” pretende reavivar uma das antigas tradições do Porto: o balão de fogo artesanal. A ajuda vem directamente do Brasil.

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O mestre baloeiro Luciano Britto veio do Brasil para ensinar uma arte que conhece tão bem Fernando Veludo/NFactos
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A programação deste ano do São João, no Porto, não se restringe apenas à música ou ao fogo-de-artifício. O espaço de intervenção cultural Maus Hábitos volta a acolher o “São João Baloeiro”, tal como o tinha feito em 2013. A iniciativa resulta de uma parceria entre a Porto Lazer e a Saco Azul Associação Cultural, onde os portuenses são desafiados a construir os seus próprios balões de fogo. E desengane-se quem pensar que isto é um evento estritamente português. O mestre baloeiro Luciano Britto vem do Brasil ensinar uma arte que conhece tão bem.

“Posso regressar amanhã com mais pessoas?”, é uma das frases proferidas numa grande sala do Edifício Montepio em plena Avenida dos Aliados, um dos palcos principais da festa de São João no Porto. O workshop gratuito para a construção de balões de fogo ocorre no coração da cidade e está de portas abertas a todos os que queiram instruir-se nesta actividade.

Luciano Britto é mestre baloeiro e está habituado a ensinar as mais apuradas técnicas brasileiras de fabrico artesanal de balões de fogo. Não fosse ele um filho do Rio de Janeiro, mais propriamente do bairro do Cachimbi. “Desculpe Luciano, mas sou muito curiosa”, diz uma jovem rapariga enquanto interpela o mestre com várias perguntas.

Os brasileiros têm vindo a aperfeiçoar a técnica e o processo, até porque os balões de fogo gigantes são uma das especialidades do país. “O maior balão no Brasil teve 105 metros”, realça Luciano. A fragilidade do papel de seda, um dos materiais utilizados, levou a que os mestres baloeiros não descurassem a perícia e as estratégias, como os fios de cordel e as sucessivas colagens.

Porém, a vida não tem sido fácil para os mestres desta arte no Brasil. “O balão de fogo como é praticado no Porto é considerado uma prática criminosa devido ao risco de incêndio”, explica. Recorde-se que o Rio de Janeiro tem a maior floresta urbana do mundo – a da Tijuca – e, no passado, os balões de fogo foram responsáveis por vários episódios destrutivos deste pulmão verde. Por isso, os pequenos e importantes detalhes de segurança são valorizados igualmente neste workshop.

Suspensos no ar e dispostos no chão estão dezenas de balões de todos os tamanhos e feitios. Desde padrões com estrelas até às cores da bandeira de Portugal, a sala tornou-se pequena para este renovado espírito de São João. A tradição reinventa-se na iniciativa e em cada um dos participantes. A maioria dos presentes costuma festejar o São João e, sendo do Porto, têm a tradição do balão entranhada nos costumes.

Uma pesquisa sobre a ilustração dos balões de São João para um trabalho da faculdade conduziu Cátia Neves até esta “oficina”. Manuel Cruz já se esqueceu das etapas referidas por Luciano, mas como é a primeira vez que participa, o melhor é consultar as anotações. O São João no Porto é sinónimo de balões de fogo, logo, pensou: “Porque não? Neste momento, não tinha nada para fazer.”

A Vera não é do Porto, mas vai festejar uma das noites mais longas do ano na Invicta. O desejo de ver o seu balão no céu, levou-a a participar.

Não foram apenas os conhecimentos de Luciano Britto que viajaram até ao Porto. O mestre armazenou nas malas e bagagens alguns balões da sua autoria, até porque “quem vem ao workshop e cria um balão torna-se dono do balão”. Na largada colectiva a realizar na noite de 23 de Junho, “quem pretender participar é bem-vindo”, pois Luciano não quer impedir os participantes de partilhar a experiência com os familiares e amigos.

A família e a comunidade sempre foram duas vertentes importantes na arte do balão. O Brasil é olhado como um país onde o futebol é rei e senhor, mas os balões de fogo têm tantos adeptos como os míticos clubes de futebol brasileiros. O agora mestre relembra os tempos de infância, em que os ídolos não eram os artistas ou os jogadores, mas sim os que moravam bem perto de sua casa e se dedicavam às frágeis bolas de sede. “A minha felicidade era falar com o meu vizinho, que era baloeiro”, reconhece emocionado.

A passagem do testemunho de mestre baloeiro pelo pai adquire um significado especial na iniciativa deste ano. A morte recente do progenitor ainda não lhe permite falar da paixão dos balões sem que os olhos se encham de lágrimas.

Para Daniel Pires, fundador e director do Maus Hábitos, receber o “São João Baloeiro” é uma tentativa de devolver os balões de fogo ao Porto, com a novidade como melhor amiga. “A inovação permite que a tradição não morra. Permanece folclórica, mas ganha contemporaneidade”, reconhece. A evolução e o aperfeiçoamento técnico revelam-se cruciais, especialmente quando a qualidade dos balões tem vindo a diminuir. O fabrico industrial tem a sua quota-parte de responsabilidade nesta tendência, em contracorrente, com o fabrico artesanal dos balões.

O director do Maus Hábitos não é tão apaixonado pela arte como Luciano, porém admite que tem aprendido bastante com estas técnicas artesanais e que a sensibilidade a novas arquitecturas nos balões de fogo não lhe é indiferente.

“Gerar uma pequena economia para algumas pessoas e pensar num projecto do princípio ao fim” é a proposta de Daniel Pires, para uma iniciativa que se quer em permanência no Porto e não apenas sob a alçada do São João.

Texto editado por Ana Fernandes

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