A amargura dos quarenta

Depois de Frances Ha, Noah Baumbach regressa ao território de Greenberg para falar do que acontece quando envelhecemos sem dar por isso.

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Noah Baumbach está a ficar velho e faz disso o próprio centro do seu novo filme.

Enquanto Somos Jovens é a história de um casal quarentão confrontado subitamente com a presença do tempo que passou, através do casal de melhores amigos que acaba de ter um bebé e de um casal muito mais jovem que conhecem por acaso, e que não gosta nada da imagem que lhe é devolvida. Esse casal quarentão, interpretado por Naomi Watts e Ben Stiller, conforma-se a todos os lugares-comuns de uma intelligentsia tornada “centro de gravidade” de uma ideia de Nova Iorque perpetuada pelos romances de Philip Roth ou Saul Bellow ou pelos filmes de Woody Allen. Josh é um realizador de documentários que batalha há mais de dez anos para acabar um segundo filme e no interim ganha a vida a dar aulas, Cornelia é filha de um guru do documentário que trabalha como produtora do pai – e ambos se deixaram acomodar.

De certo modo, a irrisão amarga de Enquanto Somos Jovens remete para o desespero mal-disfarçado de Greenberg (2009, já com Stiller no papel do passivo-agressivo inseguro) e funciona como “negativo” da frescura aérea do anterior Frances Ha (2012). Josh e Cornelia, o casal bem na vida cujo idealismo se deixou aburguesar, deixa-se levar pela espontaneidade de Jamie e Darby, o casal hipster que parece ter a joie de vivre que lhes falta a eles – mas e se essa espontaneidade de uma geração aparentemente desprendida fosse tão fachada como a neurose de uma geração que se deixou desviar do rumo?

Enquanto Somos Jovens

é fita de efeito ao retardador: a primeira metade parece (não, a sério) fita de velho do Restelo a mandar vir com o tempo que passou, espécie de “reiteração” do que Baumbach já disse antes que parece nada trazer de novo ao cinema do realizador (voltamos, mais uma vez, a

Greenberg

). Pior: ficamos com a sensação que o

Listen Up Philip

de Alex Ross Perry, visto no Indie deste ano, faz melhor o que Baumbach procura atingir aqui. Mas essa amargura, prenunciada pela citação de Ibsen colocada em epígrafe, revela-se mera ilusão, essencial para construir a lógica do filme, permitindo que a segunda metade explore de modo inteligentíssimo e sucinto o verdadeiro tema do filme. À aparente “falta de generosidade” de uma primeira parte que fala de egoísmo e deslumbramento, de insegurança e indefinição, a segunda responde com uma franqueza gentilmente desarmante, que reflecte e reafirma o peso que a arte ganhou na construção da nossa própria imagem e da nossa própria identidade enquanto pessoas.

Enquanto Somos Jovens

não será o melhor Baumbach – há aqui algo de “marcar passo”, de “retirada estratégica” para uma posição mais segura depois de um

Frances Ha

que abria outras paisagens – mas é fita mais interessante do que parece à primeira vista.

 

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