O que fazer com Bill Clinton?

A pergunta faz sentido não só durante a campanha de Hillary mas também depois dela, caso venha a ser eleita Presidente.

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Biil Clinton na sua recebte passagem por Narobi, no Quénia Siegfried Modola/The Washington Post

O que aconteceu em Marrocos no início do mês, quando Bill Clinton juntou numa conferência filantrópica os gestores mundiais, dificilmente se encaixa na campanha eleitoral da mulher para melhora a vida dos americanos mais pobres.

Reunidos em Marraquexe para um encontro da fundação Clinton Global Initiative (CGI), os oligarcas internacionais e os titãs das grandes empresas confraternizaram debaixo das palmeiras, junto às piscinas bem decoradas e nos pátios ricamente ornamentados, com o ex-Presidente dos Estados Unidos e a sua delegação de doadores da fundação — muitos deles também contribuem para a campanha presidencial de Hillary  Rodham Clinton.

Quando a filha Chelsea moderou um debate sobre “dar mais poder às mulheres”, o único homem no painel era o marroquino Othman Benjelloun, cujo banco BMCE é um dos patrocinadores da CGI.

Para participarem nesta grande festa, os convidados foram levados para um palácio que tem 56 quartos, vista para os cumes gelados dos montes Atlas e uma colecção de cavalos árabes, além de oferecer um menu de cozinha biolight.

Antes do encontro, Bill Clinton saudou o príncipe saudita Turki al-Faisal. “Até logo à noite, Turki,” disse à sua alteza real. Estava a um mundo de distância de Hillary Clinton e da sua visita, num pausa da campanha, a um Chipotle [cadeia de fast food mexicana].

Esta semana de luxo em Marrocos evidenciou o dilema que os Clinton enfrentam, assim como o seu círculo de conselheiros e assessores políticos: o que fazer com Bill?

A pergunta faz sentido não só durante a campanha de Hillary mas também depois dela, caso venha a ser eleita Presidente.

Esta é uma corrida eleitoral que pode envolver quase duas dezenas de candidatos, mas nenhum outro tem um cônjuge como Bill Clinton — um ex-Presidente que promove conferências para angariar dinheiro para caridade, abrindo um potencial conflito de interesses; uma figura pública admirada; um homem cuja empatia é inegável, o que ajudou na sua ascensão política, mas que agora cobra 500 mil dólares por discurso; uma pessoa cheia de ideias e que está sempre tentado a dizer o que pensa; um ícone global cuja farta cabeleira branca atrai espectadores quer esteja no seu Arkansas natal quer esteja em Marraquexe.

Afastado da campanha
Bill Clinton é um animal político que fez 270 quilómetros em campanha [pela mulher] em 2014. Porém, os assessores mais próximos dizem que não pretende fazer nem mais um em 2015, assim como não aparecerá em acções de angariação de fundos. Em privado - revelaram fontes próximas - Bill tem dito que Hillary deve fazer a sua campanha sozinha.

“Agora ele está totalmente focado na sua fundação”, disse Tina Flournoy, a chefe de gabinete de Bill Clinton. “Não quer dizer que não saiba que a mulher está em campanha, mas não se vai envolver directamente no processo. Como ele já disse, se o seu conselho for pedido, terá muito gosto em dá-lo”.

Mas mesmo fora da campanha, Bill Clinton nunca está fora dos holofotes. Vai permanecer visível e o seu programa de actividades está muito preenchido, incluindo uma visita ao festival gastronómico do Harlem, nesta semana, e ao baile de caridade de Little Rock (Arkansas), no mês que vem. Em meados de Junho, vai estar em Denver para o CGI America, um encontro da sua fundação orientado para os Estados Unidos. Há uns dias esteve no Late Show de David Letterman e participou numa numa apresentação da Univision para publicitários em Nova Iorque. A estação de televisão em língua espanhola é co-propriedade de Haim Saban, um doador da fundação de Clinton que também organizou uma angariação de fundos em Beverly Hills.

“Bill Clinton é como a energia nuclear”, disse David Axelrod, estratega da campanha do Presidente Barack Obama. “Se a usarmos bem, pode ser muito benéfica e produtiva. Se a usarmos mal, pode ser catastrófica”.

Manter este ex-Presidente à distância é uma forma de a campanha Clinton 2016 provar que aprendeu com os erros de 2008. Apesar de, como os conselheiros de Hillary bem sabem, ser impossível isolá-lo verdadeiramente da campanha da mulher.

“Ele é um político muito esperto e um excelente estratega”, diz Ann Lewis, conselheira de Hillary Clinton de longa data. “Ele nunca achou que a política é uma coisa menor, ele acredita que a política é a forma como nos governamos a nós próprios”.

Bill Clinton tem muitos recursos. É universalmente conhecido e invulgarmente popular; 73% dos eleitores americanos aprovam a sua governação, segundo uma sondagem Post/ABC de Março. A sua taxa de aprovação é de 65%, diz outra sondagem de Março, esta da CNN-ORC. Também é considerado um dos comunicadores mais brilhantes do Partido Democrata; o discurso que proferiu na Convenção do partido em 2012 foi um marco na reeleição de Obama.

“Qualquer conversa sobre Bill Clinton e o seu impacto na campanha tem que começar com o facto de os americanos gostarem dele e gostarem dele há muito tempo”, diz Geoff Garin, que trabalhou em sondagens para Hillary Clinton, quando esta tentou candidatar-se à presidência em 2008, e que agora trabalha na Priorities USA, um comité de acção política pró-Clinton.
Mas como o próprio Bill Clinton mostrou em 2008, ele pode ser indisciplinado. Alguns dos episódios mais feios da campanha anterior da mulher foram protagonizados por ele, incluindo aquele em que as suas frases sobre Obama enfureceram os eleitores negros na Carolina do Sul.

"Esposo solidário"
O congressista James E. Clyburn disse que Bill deve ser, desta vez, apenas “um esposo solidário”. “Ele deve conter-se e não fazer ou dizer nada que roube atenções à candidata”, disse Clyburn. “O processo tem que se centrar em Hillary e na visão dela, e ele tem que apoiá-la”.

Axelrod, lembrando que o casal Clinton foi junto a uma cerimónia com o senador Tom Harkin, do Iowa, quando este se reformou, disse que seria uma tolice eles fazerem campanha juntos demasiadas vezes. “É difícil brilhar quando se está ao lado do sol. Ele tem um carácter luminescente e ofusca quem está ao seu lado”.

Os assessores insistem que Bill Clinton não está a telefonar ao staff da mulher, a ler sondagens ou a planear estratégias. A campanha não tem “o toque de Bill”, apesar de Tina Flournoy manter contacto regular com o quartel-general de Hillary em Brooklyn. O antigo Presidente também tem uma relação de há muitos anos com o director de campanha de Hillary, John Podesta, e com outros conselheiros.

Os Clinton falam um com o outro regularmente, às vezes mais do que uma vez por dia, mas quase sempre sobre temas pessoais e raramente sobre a corrida presidencial, dizem os assessores. Às vezes, ele nem sabe onde ela está. E na sua aventura africana Bill estava mais interessado nas legislativas britânicas — colado à BBC — do que na campanha da mulher.

Uma tarde, em Abril, Bill Clinton olhou para o televisor no seu escritório em Manhattan e viu, numa imagem granulosa — tirada de uma câmara de segurança — a mulher e uma assessora, Huma Abedin, num Chipotle em Ohio; atrás de uns óculos escuros, Hillary parecia querer passar despercebida. Bill voltou-se para uma assistente e disse: “O que é que ela está ali a fazer com a Huma? Estão a fazer um assalto?”

“Tenho contas para pagar”
Na semana passada, enquanto Hillary Clinton angariava dinheiro para a sua campanha na Califórnia, Bill Clinton estava o mais longe possível, a visitar os projectos da fundação em África e na conferência de Marrocos.

Ainda assim, produzia títulos de jornal. Numa entrevista à NBC no Quénia, defendeu as doações que são feitas a partir do estrangeiros para a sua fundação. Também disse que continuaria a cobrar muito pelos seus discursos: “Tenho contas para pagar”, disse, parecendo desligado da realidade quando se pensa que, nos impostos, declarou ter ganho 105 milhões de dólares com os seus discursos ao longo de 12 anos.

Houve outros momentos incómodos. Quando Bill Clinton apareceu na reunião da fundação em Marrocos, um executivo da Coca-Cola juntou-se a ele no palco para anunciar um programa de 4,5 milhões de dólares para dar formação profissional a jovens africanos e para os aconselhar quanto às carreiras a seguir. Depois de fazer o anúncio, Curtis Ferguson, o presidente regional da empresa, começou a falar de vendas e de lucros e disse “Espero que tenham muita sede” - referia-se aos jovens africanos a que o programa de ajuda se destina. Por fim, disse que queria partilhar uma garrafa de Coca-Cola com o ex-Presidente, e apareceu em palco uma garrafa com o nome de Clinton escrito em árabe — os dois foram fotografados com a garrafa.

Grande parte da viagem a África, que durou dez dias e incluiu passagens pela Tanzânia, Quénia, Libéria e Marrocos, foi planeada para mostrar aos parceiros o bom trabalho que a fundação está a realizar.

No Quénia, Bill Clinton testemunhou o momento em que um jovem ouviu pela primeira vez a voz da irmã. Na Tanzânia, conheceu Wazia Chawala, uma mãe solteira com sete filhos que, com a ajuda da fundação, que lhe explicou as técnicas de rotatividade da terra, conseguiu aumentar a sua colheita.

Clinton também visitou um laboratório em Nairobi, onde ouviu uma palestra sobre redução das emissões de carbono e padrões de chuva, informações destinadas a melhorar as colheitas dos pequenos agricultores. Quando perguntou aos doadores que estavam com ele se tinham perguntas, Drew Houston, director executivo da Dropbox, disse: “Quais são os maiores desafios tecnológicos?” Para Clinton e para a sua equipa, esta demonstração de sinergia foi um momento de orgulho — o fundador de uma das maiores empresas de armazenamento de informação online a perguntar a falar a mesma linguagem que um técnico queniano.

Clinton, que recusou ser entrevistado para esta reportagem, está inquieto sobre o futuro e o que ele poderá ser. Continua a angariar dinheiro para a sua fundação, onde a sua filha assumiu um papel maior. No ano passado, a CGI angariou 250 milhões de dólares que foram colocados num fundo de estabilidade, para que a fundação sobreviva e continue o seu trabalho se Bill já lá não estiver.

Os assessores sabem que as actividades da fundação podem complicar uma eventual presidência de Hillary Clinton, “Penso que no seu íntimo ele quer que a sua fundação em que tanto investiu faça sempre o melhor trabalho”, disse Flournoy. “O que isso vai significar? O que é que a experiência, a História e o tempo nos dizem que acontece quando as coisas mudam? Não sabemos. Mas esta é a obra da sua vida”.

Bill Clinton diz que o seu papel vai ser determinado pela mulher. “O que é que ela quer que eu faça? Não faço ideia”, disse numa entrevista a Christiane Amanpour, da CNN.

Uma possibilidade é Hillary nomeá-lo enviado especial para uma região do mundo ou dar-lhe uma pasta no seu governo. Ele sempre foi fascinado por ciência, dizem os assessores, e ultimamente tem pensado em formas de criar uma economia mais justa. Também tem falado de juntar as empresas para reconstruir Baltimore, depois dos confrontos do mês passado.

Um regresso dos Clinton à Casa Branca também pode apagar o papel tradicional dos géneros, já para não falar da mudança nos títulos: os assessores de Bil ainda se referem a ele como “o Presidente”.

O único paralelo histórico possível é com  Franklin e Eleanor Roosevelt. Durante a presidência de Franklin, Eleanor ganhou dinheiro com discursos, escrevendo em jornais e fazendo programas na rádio que eram patrocinados pelos colchões Simmons, explicou Carl Anthony, historiador na National Firts Ladies Library (biblioteca das primeiras-damas). Diz que Eleonor doou a maior parte do que ganhou a uma fundação criada pelo marido para apoiar o combate à poliomielite. “Ela ganhou imenso dinheiro, mas não tinha os media a acusá-la de estar a comercialziar a presidência nem foi alvo de uma investigação”, diz Anthony.

Fred Wertheimer, presidente do grupo Democracy 21, considera que o casal Clinton deve afastar-se totalmente da fundação se Hillary ganhar a presidência: “Mudem o nome da fundação e deixem bem claro que se afastaram e que não há suspeitas”.

Os apoiantes da fundação pensam de outra forma. “Seria provavelmente um dos maiores desperdícios de talento da História” se Bill Clinton se afastasse, diz Jay Jacobs, um dos grandes doadores que participou na viagem a África. “O que diríamos a estes pobre agricultores, ou às mães cujos filhos não ouvem? ‘Desculpem, acabou-se porque a política não deixa’. Seria moralmente muito errado”.

Exclusivo PÚBLICO/“The Washington Post”

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