O optimista esclarecido

Portugal perdeu no início de Abril um dos seus melhores pensadores e uma das personagens marcantes da vida pública portuguesa dos últimos 40 anos.

Conheci o Dr. Silva Lopes em 1998 quando me convidou para colaborar com o Conselho Económico e Social e tive a honra de voltar novamente a trabalhar com ele quando me convidou, em 2004, para ingressar na instituição a que presidia.

Profundo conhecedor da economia portuguesa e mundial, macroeconomista com reputação internacional, possuía uma característica pouco comum na sociedade portuguesa: a capacidade de ouvir e a abertura a novas ideias, em particular as dos mais jovens que o rodeavam.

A este propósito não podemos deixar de recordar a decisão que tomou em 1976 enquanto governador do Banco de Portugal, e reveladora da sua capacidade em pensar out of the box, de convidar um grupo de jovens estudantes (alguns deles vieram a ganhar o Prémio Nobel) de uma prestigiada universidade norte-americana (Massachusetts Institute of Technology - MIT) para o ajudar a definir uma estratégia de política monetária e cambial (segundo Paul Krugman, “o Dr. Silva Lopes deve ter-se sentido um pouco horrorizado por ter de lidar com um grupo de estudantes insolentes numa altura em que estava a tentar lidar com o caos de um sistema político ainda instável”).

As suas perguntas, para as quais muitas vezes já tinha resposta, obrigavam-nos a reflectir e a estudar profundamente os assuntos e, frequentemente, contra a corrente do pensamento vigente. Foi assim, por exemplo, quando discutimos em 2005 a evolução previsível do mercado imobiliário em Portugal e as quedas de preços que, então, nos pareciam inevitáveis, ou ainda quando discutimos os riscos associados aos spreads reduzidos no crédito à habitação em contexto de evolução desfavorável dos custos de financiamento dos bancos.   

O pessimismo que muitas vezes poderia transparecer das suas palavras não era, porém, manifestação de um “derrotista”. Era, isso sim, a expressão de um “optimista esclarecido”. Eram as palavras de alguém, como disse o seu filho na cerimónia fúnebre e recordando a letra dos Trovante, “que nos diz: tem cuidado”. Enfim, eram as palavras de “alguém que nos faz pensar um pouco”.

A este propósito, gostaria apenas de recordar o pensamento do Dr. Silva Lopes relativo à adesão de Portugal ao Euro e reflectido no Parecer do Conselho Económico e Social às Grandes Opções do Plano de 1999. Neste Parecer referia-se a lúcida previsão relativa à participação portuguesa na União Económica e Monetária: “alteração radical das condições da política monetária e cambial”, impondo “um novo quadro de exigências e constrangimentos”.

Um primeiro constrangimento resultava do facto de não existindo “mecanismos automáticos de transferências do orçamento central da União para fazer face a choques assimétricos negativos, isto é choques negativos sobre a produção e o emprego de um Estado-Membro que não atinja os outros membros da União, a possibilidade de resposta a esses choques é muito reduzida. Sem possibilidade de ajustar a taxa de câmbio ou alterar a taxa de juro, sem uma flexibilidade de salários e preços e sem uma efectiva mobilidade geográfica do trabalho, a possibilidade de estabilizar o nível de actividade económica depende exclusivamente do Estado-Membro, basicamente através da sua política orçamental. Uma vez que esta está sujeita a fortes restrições, a capacidade de estabilização anticíclica poder-se-á revelar bastante problemática.”

Um segundo constrangimento, então antecipado, resultaria do facto de os mecanismos de transmissão da política monetária não funcionarem “de modo idêntico para todos os países, isto porque os Estados-Membros possuem diferenças em aspectos relevantes, nomeadamente nos níveis de endividamento das empresas ou na velocidade de resposta das taxas de juro activas e passivas do sistema bancário às variações das taxas no mercado monetário”.

Por fim, um terceiro constrangimento previa-se que resultasse, como resultou, do facto de a “orientação da política monetária única, tendo como referência o conjunto dos países do Euro”, poder “não ser a mais adequada à situação de cada um dos países”, possibilidade esta reforçada pelo “facto da zona Euro não ser considerada uma Zona Monetária Óptima”.

Durante mais de 10 anos os agentes políticos e económicos ignoraram “olimpicamente” esta realidade. O resultado está à vista: Portugal “amparado” à beira do abismo. 

Na última vez que estive pessoalmente com o Dr. Silva Lopes falou-me do que não correu bem no passado, das amizades que perdeu e que gostaria de não ter perdido. Falou-me ainda das preocupações com o futuro.

Sobre o futuro, recupero apenas as suas palavras ditas em 2006: “No passado, sempre achei que não havia forma de as coisas se resolverem na economia portuguesa, e acabou por acontecer sempre um milagre. Pode ser que desta vez também aconteça um”. Pode ser que sim…… Professor da Universidade Lusíada e antigo vice-presidente do Instituto de Segurança Social

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