Nova lei aproxima Tailândia da ditadura

Lei marcial foi substituída por lei que dá amplos poderes ao general Prayuth. Críticos alertam para a deriva repressora da junta militar.

Foto
O general Prayuth está no poder desde o golpe de Maio de 2014 Damir Sagolj / Reuters

Abril começava com uma boa notícia na Tailândia. A lei marcial em vigor há dez meses foi oficialmente levantada no dia 1 por ordens da junta militar no poder, que a considerava “não ser mais necessária”. Durou pouco, porém, o regresso à via democrática. No mesmo dia, era aprovada uma nova lei que reforça os poderes dos militares e que é vista como mais uma ameaça às liberdades civis dos tailandeses.

A nova lei invoca o artigo 44.º da Constituição interina, aprovada no ano passado já com os militares no poder, que confere ao primeiro-ministro, o general Prayuth Chan-ocha, amplos poderes sempre que estiver em causa a estabilidade política ou a segurança pública. Os críticos receiam que a forma vaga como o artigo está enunciado permita um entendimento demasiado abrangente por parte dos governantes militares.

A revogação da lei marcial é vista como uma mudança puramente cosmética, destinada apenas para consumo externo – a manutenção do regime de excepção causa alguns receios junto do turismo, um sector que corresponde a 10% do PIB da Tailândia. “Funcionalmente, estamos no mesmo barco”, disse à Associated Press o professor da Universidade Chulalongkorn de Banguecoque, Thitinan Pongsudhirak. “Restrições semelhantes [à lei marcial] continuam em vigor. E onde permanecerem as ilhas de oposição e de expressão política é provável que sejam ainda mais draconianas”, acrescentou o politólogo.

A lei aprovada prevê a nomeação de “agentes de manutenção da paz e ordem”, provenientes das forças armadas, que têm amplos poderes, tais como detenções até sete dias sem necessidade de mandado judicial, buscas, notificação para interrogatório ou confisco de bens. Quanto ao general Prayuth, passa a poder governar através de ordens executivas sempre que invoque questões de segurança.

A organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) considera que a utilização do artigo 44.º “marca o aprofundamento da queda da Tailândia na ditadura”. A nova lei permiti que o primeiro-ministro “promulgue leis sem vigilância ou escrutínio administrativo, legislativo ou judicial”, sublinha o organismo.

Preocupações semelhantes foram manifestadas pelos Estados Unidos, que apelaram ao fim das detenções com motivações políticas e das restrições à liberdade de expressão. “Avançar para uma lei ao abrigo do artigo 44.º não irá alcançar nenhum destes objectivos”, disse recentemente um dirigente do Departamento de Estado. Washington, que tem na Tailândia um dos mais antigos aliados no Sudeste Asiático, pediu ainda “uma verdadeira restauração das liberdades civis” no país.

“Quem não deve, não teme”
Alguns observadores têm alertado para as semelhanças entre o percurso da actual junta militar com o regime liderado entre 1958 e 1963 pelo marechal Sarit Thanarat, durante o qual foram executados de forma sumária vários opositores. Nos últimos dez meses, centenas de políticos, activistas e jornalistas foram detidos, quase sempre sob acusação do crime de lesa-majestade.

Por vezes, a defesa quase obsessiva da ordem por Prayuth alcançou níveis bizarros. Após a proibição de reuniões com mais de cinco pessoas, grupos de estudantes universitários começaram a organizar piqueniques em locais públicos. Com o aumento da popularidade destes encontros, alguns estudantes começaram a ser detidos por “comer sandes com objectivos políticos”.

A “lei do ditador”, como é denominada entre os sectores críticos tailandeses, representa o receio de que a junta militar esteja a consolidar a sua posição de poder, dificultando o regresso à via democrática. O governo militar, cujo nome oficial é Conselho Nacional para a Paz e a Ordem, prometeu inicialmente convocar eleições para o final do ano, tendo depois adiado para 2016, sem que nenhum prazo tenha sido fixado.

O general Prayuth garantiu que a nova lei será usada “construtivamente” e tentou apaziguar os receios quanto a possíveis abusos: “Não se preocupem, se não fizeram nada de mal, não é preciso terem medo.”

Não é que os golpes militares sejam algo fora do normal na Tailândia. Desde 1932, quando foi instaurada a monarquia constitucional, que as forças armadas tomaram o poder em 12 ocasiões.

O golpe de Maio pôs fim a meses de protestos violentos nas ruas de Banguecoque, durante os quais morreram 28 pessoas, contra o Governo de Yingluck Shinawatra. A oposição acusava a ex-primeira-ministra de ser uma “marioneta” do seu irmão Thaksin, que tinha sido derrubado da mesma forma em 2006. A luta pelo poder corporiza a forte polarização social da Tailândia, um dos principais factores que explicam a instabilidade política constante.

O partido dos Shinawatra, o Pheu Thai, (Os Tailandeses Amam a Tailândia) tem a sua base de apoio no país rural, através de um apelo populista que se centra nas críticas à elite política económica da capital. É precisamente esta elite que se tem mobilizado nas ruas de Banguecoque contra o Pheu Thai. Foi assim em 2006 contra Thaksin – que acabou exilado – e foi assim em 2014 contra a sua irmã. Yingluck irá enfrentar agora um julgamento, num tribunal militar, por negligência durante o seu mandato, que pode traduzir-se numa pena de dez anos de cadeia.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários