Procuradora não quer caso do Meco julgado

Ainda que João Gouveia tivesse ordenado aos colegas para entrarem no mar isso não é crime, defende procuradora. Tribunal de Setúbal decide a 4 de Março se caso segue para julgamento.

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Seis estudantes da Universidade Lusófona morreram no mar do Meco em Dezembro de 2013 Nuno Ferreira Santos

A procuradora da República Ana Margarida Santos defendeu esta terça-feira, no Tribunal de Setúbal, que ainda que o único sobrevivente da tragédia do Meco tenha ordenado aos seus seis colegas para entrarem no mar revolto isso não constitui crime, ao contrário do que entendem as famílias das vítimas. Durante o debate instrutório, a magistrada pugnou para que o caso não vá a julgamento: "Não há indícios suficientes para que seja proferido despacho de pronúncia”, observou. Se haverá ou não julgamento depende do juiz de instrução, que anunciará a sua decisão a 4 de Março.

A procuradora não crê, porém, que o dux João Gouveia tenha, efectivamente, convencido os outros alunos da Universidade Lusófona a entrarem na água, dado o estado alterado do mar do Meco naquela noite fatídica de Dezembro de 2013. "O que aconteceu naquela noite não foi o resultado de uma praxe", observou. "O mais certo é que os jovens tenham sido arrastados por uma onda", afogando-se em seguida.

Ana Margarida Santos alegou que nenhum dos presentes era caloiro, pelo que, caso tenham sido mandados entrar no mar, tê-lo-ão feito de livre vontade. Fica assim afastada, no seu entender, a tese de crime de exposição ao perigo ou abandono de que as famílias acusam João Gouveia. Segundo o Código Penal, quem  colocar em perigo a vida de outra pessoa, sujeitando-a a uma situação de que não possa defender-se ou abandonando-a sem defesa, deve ser punido com até cinco anos de prisão, moldura penal que se eleva para até dez anos quando desse acto resultar uma morte. Dantes o crime abrangia apenas situações envolvendo menores, mas há muito que passou a incluir casos passados com adultos.

E é precisamente a participação voluntária dos jovens em tudo o que aconteceu naquele fim-de-semana no Meco que as suas famílias questionam. Se a procuradora insiste em que João Gouveia era mais um no grupo, uma vez que todos pertenciam à comissão de praxe da Universidade Lusófona, já o advogado das famílias, Vítor Parente Ribeiro, garante que o dux tinha um forte ascendente sobre os restantes colegas, pela posição que ocupava na cadeia hierárquica praxista. Provas disso? "Foi o único que ficou no andar de cima da casa que alugaram naquele fim-de-semana. Os vizinhos constataram a sua posição de supremacia" perante os outros.

A par da submissão às "ideias radicais" do dux, muito álcool e poucas ou nenhumas horas de sono terão, segundo o advogado, deixado os colegas de João Gouveia numa situação de ainda maior vulnerabilidade. O sobrevivente da tragédia terá tido noção do perigo que corriam, até por causa do estado de "diminuição das capacidades" em que se encontravam. "O único que não podia, pelo regulamento da praxe, ser praxado foi o único que sobreviveu", frisou o representante legal das famílias, para quem o que os unia a todos era acima de tudo "uma obsessão pela hierarquia e pelos princípios macabros da praxe".

Vítor Parente Ribeiro ridicularizou o relato dos factos feito às autoridades por João Gouveia, encontrado na praia naquela noite pela Polícia Marítima, e depois assistido pelos bombeiros e pelos médicos do Instituto Nacional de Emergência Médica, "bastante confuso, com ar apalermado, os olhos muito fixos" e "com sinais claríssimos de pré-afogamento". Chamou-lhe "hollywoodesco", em especial na parte em que o rapaz diz ter ouvido, no meio da fortíssima ondulação, a colega Carina dizer-lhe que não estava a conseguir sair do mar e assegura ainda ter nadado na sua direcção, numa tentativa de a salvar.

Poucos são já os pais das vítimas mortais que ainda acreditam que o juiz possa anunciar a ida do caso a julgamento, depois da posição assumida pela procuradora. Há famílias que suspeitam mesmo de "alguém poderoso por trás de João Gouveia". Acima de tudo garantem que não vão baixar os braços: se a decisão lhes for desfavorável ainda podem vir a recorrer para o Tribunal da Relação, intentar uma acção cível ou mesmo apelar para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. "Vou desmascarar tudo. Isto não foi uma praxe, foi um ritual", gritava, à saída do tribunal, a mãe de Catarina Soares. "Não me calam! Irei até ao fim!".

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