E depois do “Je Suis Charlie”?

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Desemprego está próximo de níveis máximos históricos em vários países europeus Paulo Pimenta

Perante a ascenção ao poder de Hitler, Martin Niemöller, pastor evangélico alemão, terá adaptado um célebre poema de Vladimir Maiakovski, procurando, desta forma, traduzir a realidade que observava.

“Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era judeu.

Como não sou judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram o meu outro vizinho que era comunista.

Como não sou comunista, não me incomodei.

No terceiro dia vieram e levaram o meu vizinho católico.

Como não sou católico, não me incomodei.

No quarto dia, vieram e levaram-me;

Nessa altura, já não havia mais ninguém para protestar...”

80 anos depois somos confrontados diariamente com os relatos de horror vindos de diversas partes do mundo.

Na Síria, a emergência humanitária traduzida em dezenas de milhares de mortos (76 mil só em 2014) e em mais de 2,5 milhões de pessoas a viver em situação de isolamento e fome, conduz a que milhares arrisquem a vida nas perigosas rotas do mar Mediterrâneo com o objectivo de alcançar a Europa.

Na Nigéria, o grupo terrorista Boko Haram, que recorrentemente utiliza crianças como bombas-suicidas, terá assassinado duas mil pessoas na cidade de Baga, passando a dominar a região.

No Iraque, milícias xiitas massacram sunitas em ações de vingança enquanto o Estado Islamico do Iraque e do Levante desenvolve sistemáticas acções de violência, em particular contra os muçulmanos xiitas, assírios, cristãos armênios, yazidis, drusos, shabaks e mandeanos.

A Europa que, perante isto, pouco ou nada tem feito, parece ter acordado, da pior maneira, no passado dia 7 de janeiro. O maior atentado terrorista em 50 anos na França teve como alvo o jornal Charlie Hebdo e matou 12 pessoas.

Perante a barbárie, milhares de pessoas sairam à rua em várias cidades de todo o mundo, gritando “Je Suis Charlie”, enquanto os principais responsáveis políticos de todo o mundo manifestaram publicamente a vontade de olhar com “outros olhos” para a problemática do terrorismo.

Contudo, passado o primeiro momento de choque, importa perceber o que de verdadeiramente estrutural se pretende fazer. Ou seja, importa responder à questão: E Depois do “Je Suis Charlie”?

A resposta a esta questão parece ser (também) económica. Senão vejamos.

Em primeiro lugar, a Europa apresenta sérios desequilibrios económicos, quer entre regiões, quer dentro de cada uma das regiões, que corroem progressivamente as suas fundações. Exemplo disto pode ser observado através dos dados do INE relativos a Portugal, de acordo com os quais, e com uma linha de pobreza ancorada em 2009, a proporção de pessoas em risco de pobreza aumentou de 17,9% em 2009 para 25,9% em 2013. De igual forma, os desequilibrios no PIB per capita entre os diferentes países da União Europeia são preocupantes, conforme se infere do facto do Produto Interno Bruto per capita (expresso em Paridade de Poder de Compra) se situar na Albania nos 28% da média da União Europeia (2013), face aos 79% observados em Portugal e aos 275% observados no Luxemburgo.

Neste contexto, importa reforçar a coesão económica e social, traduzida numa maior solidariedade entre os Estados-Membros e as regiões da União Europeia, uma vez que a manutenção do actual modelo de crescimento “dual” conduzirá, inevitavelmente, ao colapso do projecto europeu. Na realidade, a coesão económica e social, pilar da construção europeia que remonta ao Tratado de Roma de 1957, é elemento essencial para eliminar os “guetos” sociais que foram “nascendo” por toda a Europa e que se tornaram o “berço” de alguns dos autores destes recentes acontecimentos.

Em segundo lugar, a Europa continua a deixar engrossar a “coluna” dos jovens com o futuro “adiado”, conforme aliás se comprova pelas estatísticas que nos revelam, por exemplo, que em Portugal (2012) cerca de 16,8% dos jovens entre os 15 e os 34 anos não trabalhavam, não estudavam e não estavam em formação (geração “nem-nem”), face aos 12,7% observados em 1998, ou que na Grécia e em Espanha a taxa de desemprego jovem (menos de 25 anos) atingiu em final de 2014 valores acima dos 50% (50,6% e 51,4%, respectivamente).

Daqui resulta um segundo eixo de intervenção, o qual se traduz num combate sério e persistente ao desemprego jovem. Com efeito, uma Europa que, “sem pestanejar”, aceita que milhares de jovens não trabalhem, não estudem e não estejam em formação, é uma Europa de “vistas curtas” e que não percebe que os “excluídos e humilhados” de hoje serão, provavelmente, os “adversários” de amanhã.

Claro está que, para além das intervenções económicas estruturais, importa não aceitar o silêncio. E não devemos aceitar o silêncio porque a razão não está do lado de quem utiliza o terror, a arbitrariedade, a ameaça e a perseguição. Na realidade, não foi por Galileu Galilei ter sido obrigado a renegar, diante da Inquisição, a sua crença de que a Terra se move em torno do Sol, que a Terra deixou de rodar em torno do Sol - E pur si muove!

Em face do anterior, fica claro que hoje, mais do que nunca, temos todos de ser “Charlie”… sem esquecer a Economia!

Professor da Universidade Lusíada e antigo vice-presidente do Instituto da Segurança Social
 

 

 

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