PJ do outro lado do espelho Harvey

Até terminar a gravação do nono álbum, todos podemos ver PJ Harvey ao vivo em estúdio. Em Londres, de terça a sábado, do outro lado de um espelho.

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PJ Harvey põe-se numa montra em três sessões diárias Paulo Pimenta

No meio de uma selva de cabos áudio e de instrumentos musicais, a sua voz flui como néctar: a cantora britânica PJ Harvey grava em Londres o seu nono álbum frente a um público do qual está apenas separada por um fino vidro espelhado.

Auscultadores nas orelhas, a delgada rocker, hoje com 45 anos, sóbria e elegante num conjunto de calças e casaco preto, está rodeada pelos seus músicos e do seu produtor-fétiche, Flood, figura de proa do meio que trabalhou já com Nick Cave, os Nine Inch Nails ou os U2.

“E um, dois, três quatro!”, lança ao grupo antes de iniciar a enésima variação de um dos títulos do futuro álbum, o primeiro desde Let England Shake (2011).

Para responder às necessidades de uma gravação pública, foi mobilado um estúdio na Somerset House, um sumptuoso espaço neoclássico no centro de Londres e um lugar da alta cultura, das artes e da moda.

“Procurava um lugar para gravar em Londres, mas não queria um estúdio cenvencional”, explica a cantora numa entrevista publicada pela Artangel, a empresa de produção artística que colabora neste projecto baptizado como Recording In Progress e que tem três sessões diárias de terça a sábado – de terça a sexta às 11h, 13h e 15h e sábados às 13h, 15h e 17h

 “Queria que tudo se passasse como se nós [a banda] estivéssemos expostos numa galeria de arte”, acrescenta Polly Jean Harvey, duas vezes vencedora do prémio Mercury pelos seus álbuns Stories from the City, Stories from the Sea (2000) e Let England Shake.

Como num museu
Em pequenos grupos de 40 pessoas, o público é convidado a descer à cave da Somerset House, cujas paredes foram decoradas com folhas brancas em que a cantora rabiscou a tinta preta as letras das canções de seu novo álbum.

O estúdio de gravação efémero foi concebido como um grande paralelepípedo branco ladeado por vidros espelhados unidireccionais atrás dos quais ficam os espectadores. “Eu queria que o vidro das janelas fosse feito de tal forma que o público pudesse ver-nos sem que o contrário fosse verdade. Gosto da ideia de montra", diz PJ Harvey.

Desse posto de observação, o público, testemunha privilegiada do processo criativo, descobre como uma banda rock pode dar vida às canções tocando e voltando a tocar, sem parar, como se se tratasse de polir um diamante. 

Como maestro, o produtor Flood destila conselhos e tem a tarefa de orientar o trabalho dos músicos, rodeados por uma miríade de instrumentos de todos os tipos.

"Esta versão estava mesmo bem", diz Flood, antes de pedir, minutos mais tarde: "Vamos tentar mais uma vez."

O grupo executa obedientemente, enquanto, a pouca distância, um engenheiro de som que veste uma camisola do Manchester United, trabalha na mesa de mistura.

O público, parte envolvida
Noutra música, Ministry of social affairs, é PJ quem intervém para pedir a um dos músicos que mude o fraseado de uma parte tocada no piano eléctrico.

“Gosto muito quando tocas…”, começa ela antes de terminar a sua frase já não com palavras, mas com as notas que canta. “Mas não gosto das duas partes seguintes.” O músico modifica então o trecho em causa e o trabalho prossegue.

Há também o riso entre os membros do grupo, ou aquelas pequenas peculiaridades que fazem parte do trabalho de gravação, como quando um dos amplificadores de repente se recusa a trabalhar.

Sempre concentrada, PJ canta ou toca guitarra, ou saxofone, diante de uma plateia que ela não vê e não ouve, mas que se arrepia cada vez que sua poderosa voz ressoa na sala.

“Achei incrível ", diz Gigi Birch, uma espectadora de 22 anos, à saída da Somerset House. "Também sou música e pensei que isto seria como uma imisção na intimidade de alguém. Mas afinal é um pouco como se fizéssemos parte da gravação.”

Se as sessões de gravação públicas ficarem concluídas em meados de Fevereiro, o álbum não deve sair antes do início de 2016. 

 

 

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