Zoomarine oferece curso e trabalho a estudante de biologia marinha

O poema que fala do “sonho que comanda a vida” abriu as portas ao mundo do trabalho a uma universitária, filha de pais desempregados de longa duração.

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Ana Rita visitou o Zoomarine: teve direito a uma visita guiada em exclusivo Filipe Farinha/Stills

Os golfinhos do parque Zoomarine não costumam dar beijinhos a quem não conhecem, mas o amor à primeira vista está no ADN destes animais. Ana Rita, uma estudante do 1º ano do curso de Biologia Marinha da Universidade do Algarve (Ualg) visitou esta semana, pela primeira vez, o parque de diversões aquáticas e foi recebida pela família dos cetáceos como se ela também possuísse barbatanas. “Adorei, adorei mesmo - nunca sequer tinha visto um golfinho”, confidenciou a aluna que há um mês foi reconhecida pelo seu “mérito e excelência” mas que estava condenada a servir à mesa de um café.

De repente, Ana Rita, de 18 anos, fica sem palavras. O mundo aquático nada nos seus pensamentos desde criança. Esta semana, durante uma visita ao Zoomarine, descobriu a sensação de abraçar um golfinho. O parque encontra-se encerrado para obras de remodelação - reabre a 3 de Março, com um novo aquário dedicado aos tubarões - mas a aluna teve direito, em exclusivo, a uma visita guiada ao parque que se apresenta como sendo o de “maior sucesso a nível mundial” de golfinhos nascidos em espaço zoológico.

A treinadora-chefe, Márcia Neto chamou Colby - uma simpática golfinho fêmea, de 36 anos - para apresentar cumprimentos de “boas-vindas” à jovem. Após uma troca de olhares, em silêncio, colocaram-se lado a lado, à beira da piscina, como se fossem amigas desde sempre. Trocaram beijos, abraços e festinhas, muitas festinhas… “Agora, ganhei ainda mais certezas de que esta é mesmo a área que quero seguir”, confidenciou a estudante ao PÚBLICO, na hora da despedida, com olhar pousado na fachada do empreendimento.

Este parque temático, com uma área de 23 hectares, funciona não apenas como espaço de diversões mas é também um lugar de educação ambiental e uma espécie de laboratório gigante onde os jovens biólogos marinhos da Ualg encontram um porto de abrigo. Ana Rita é um caso especial. No final do ano passado, quando discursou perante a academia algarvia e convidados, em nome dos 41 alunos que foram distinguidos com bolsas de “mérito e excelência”, surpreendeu a assistência pelo conteúdo da mensagem que deixou. Leu um trecho da “Pedra Filosofal”, de António Gedeão, querendo sublinhar a ideia de que o “sonho comanda a vida” e que esse aspecto é uma coisa “tão concreta e definida/como outra coisa qualquer”.

Afinal, afirmou depois em declarações ao PÚBLICO, o poema não estava só nas palavras, vivia dentro dela dia e noite. "O sonho é o meu lema de vida, se não fossem os meus sonhos não estaria aqui”, desabafou. O pai, doente crónico, a mãe, operária fabril, desempregada de longa duração, vivem em Fátima. “A bolsa salvou-me a vida”, disse, referindo-se às dificuldades económicas. O pai, embora a incentivasse a prosseguir, sugeriu-lhe que optasse por escolher uma universidade mais próximo de casa, conciliando os estudos com um emprego parcial de empregada de café ou estabelecimento similar. Não seguiu o guião. “Fiz várias pesquisas na Internet e concluí que o curso de biologia marinha da Ualg, apesar de ser distante da minha área de residência, era aquele que eu queria”. Conseguiu entrar, e graças às boas notas do secundário, teve direito uma bolsa de estudo, oferecida pelo Zoomarine, que lhe garantia o pagamento das propinas do 1º ano.

Mais tarde, já durante o almoço que se seguiu à cerimónia, o director das Relações Externas da empresa, Élio Vicente, viria a saber que a aluna não teria condições para suportar o custo do curso nos anos seguintes. “Vamos procurar encontrar forma de pagar as propinas até final do curso, reconhecendo o mérito”, afirmou. A promessa foi cumprida. Ana Rita recorda agora outra parte do poema que lhe serviu de inspiração: “Sempre que um homem sonha/ o mundo pula e avança/ como uma bola colorida/ entre as mãos de uma criança”. Para o próximo Verão recebeu a promessa de que terá lugar na equipa de colaboradores do Zoomarine, mais de quatro centenas, que garantem a segurança e animação às milhares de pessoas que visitam o parque. “Levamos muito a sério a questão da responsabilidade social da empresa”, sublinha o gestor.

Élio Vicente - biólogo marinho, formado na Universidade do Algarve - conduz a futura colega, Ana Rita, pelos bastidores do parque, descrevendo as “aventuras” que tem vivido nas mais de duas décadas que leva de trabalho com os animais. A jovem sorri, sem dizer palavra. O brilho no olhar denuncia a curiosidade que a assalta, mas não faz perguntas. “Nunca tinha visto uma coisa assim”, confessou. Do Zoomarine, disse, só conhecia a informação que é difundida nas páginas promocionais. “Não imaginava que fosse tão grande, com tantos animais”. 

Durante a visita, fala-se da experiência de quem ali trabalha e de como o faz.  A tratadora Márcia explica que comportamento animal “exige muita observação, porque os animais estão sempre a observar-nos”.

Márcia Neto dirige-se aos golfinhos como se estivesse a falar com os filhos. “Passo mais tempo com estes meus filhos de barbatanas, do que com os meus filhos de perninhas”, justifica. Por seu lado, a médica veterinária Carla Flanagan, procede a recolhas de sangue, lembrando que a equipa que dirige actua pela “prevenção da doença”. Não será por acaso, observa, que os animais neste parque vivem muitos mais anos do que é habitual.

Élio Vicente explica que o Zoomarine tem uma equipa especializada para assistir e tratar golfinhos e outros animais em risco. Nesta altura, no “porto de abrigo” encontra-se, com prognóstico reservado, um cágado de uma espécie em vias de extinção, encontrado perdido numa estrada. Depois de tratada a infecção grave numa pata, regressará à vida selvagem, com uma segunda oportunidade de vida.

Enquanto isso, a treinador, sempre atenta e porque o tempo não está para descuidos, analisa o muco nasal de um golfinho, não se vá dar o caso do bicho apanhar por aí alguma constipação. De olhos brilhantes, a estudante sintetiza a experiência numa única palavra: “adorei”.

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